20 de setembro de 2007

Marcos Freitas




O POETA E O DESTINO


o poeta é um cretino
que ama sem destino
(o) certo

o poema é seu destino
apesar de cretino
o verso

existe porém
o verso certo
um ser cretino
e um destino?


Marcos Freitas


<><><>


QUATRO TEMPOS

na madrugada fria
tua alada companhia

na manhã quente
novo desejo de repente

na tarde morosa
tua língua saborosa

na noite sem dança
apenas uma lembrança

Marcos Freitas


<><><>


NADA A VAU


recrio-lhe
enchendo-lhe de chamego
mordo-lhe o pé
e o que mais quiser
sugo-lhe a vulva
qual a uma uva
faço-lhe esquecer o mundo
fácil... indo-lhe bem fundo

Marcos Freitas



QUADRO

hoje sim
quero te descrever
em cores
lambuzar-te de tintas

no lugar dos seios
riscos rápidos
no lugar dos braços
formas curvas
em perspectivas

no lugar das pernas
pingos, pingos e mais pingos
esparramar suave em ondas
teu ventre em chamas

hoje sim
adoraria borrar
todo esse quadro
com um jorro de tinta

Marcos Freitas


<><><>

PANO DE CHÃO

com que direito
o poeta invade sonhos

com que direito
o poeta causa danos

com que direito
o poeta tece palavras
como que pedaços de panos

Marcos Freitas

<><><>


AFLORAÇÕES

fuga de corrente?
quem sabe
meu coração
não tem voltímetro
súbito?
quem sabe
meu trapézio
não tem lona
chuva de maio?
quem sabe
meu querer
não tem ensaio
desvario?
quem sabe
minha calçada
não tem meio-fio

Marcos Freitas

<><><>


LEMBRANÇAS

nas barrancas do meu rio
habitam as lembranças
das garças brancas

Marcos Freitas



ACIDENTE

não sei
se escapo
ileso
da batida
de teu
coração


Marcos Freitas


<><><>


NENHUMA CARTA EM MEU NOME


de soslaio
a memória de teu rosto
cravado na rocha da ausência: fotografia.
o vento quente sopra a cor do esquecimento:
sombria melancolia do dia-a-dia.
tentei entender teu nome e nossos minutos
como se houvera fruta na fruteira
de minha existência.
o domingo desabitado fareja o ronco do motor
de meu carro empoeirado.
nada, nada além de silêncio e pó.
há mais de um ano, nenhuma carta em meu nome.

Marcos Freitas


<><><>


NA TARDE QUE SE AVIZINHA


sejamos eternos, querida,
mesmo na plenitude de nossa ira.
chega de nossos discursos prontos,
não suportamos mais esperar o fim do verão.
estranhamos, em silêncio, conselhos dos mais velhos.
tentamos, inutilmente, reler os jornais passados;
o que buscamos nas páginas surradas?
a paisagem se adensa na geografia das ruas
de nossa cidade desconhecida.
mergulhemos no assombro de nosso desejo;
é sempre possível a palavra mais pura e límpida, querida,
mesmo fora de nosso dicionário.
o cheiro do feijão, em panela de ferro,
reacende o fogo de lenha da imaginação: o relógio da manhã.
herdeiros de nossa própria memória,
divisamos a rua de nossa fraqueza e ausência, na tarde que se avizinha.
o leito seco do rio aguarda a estação chuvosa nas cabeceiras;
depositemos, pois, iguarias e provisões na vazante de nossas horas.
sejamos eternos, querida,
mesmo na finitude de nosso dia.

Marcos Freitas

Um comentário:

Marcos Freitas disse...

Hannah,
legal ter me achado por aqui, nesse cyber blue!
Marcos Freitas.
http://www.emversoeprosa.blogspot.com/
(já lhe "linkei"...)