6 de fevereiro de 2008

UM ENIGMA NO DIVÃ







UM ENIGMA NO DIVÃ


Michel (Jean Hughes Anglade, de Betty Blue, Nikita e Afinidades Eletivas) é um psicanalista com pacientes muito especiais. Entre os que deitam em seu divã estão uma professora aborrecida com o comportamento de seus alunos, um homem com ejaculação precoce e a bela Olgaa, uma sadomasoquista que tem prazer em falar de suas perversões sexuais. Tudo transcorre normalmente – dentro do possível – no consultório de Michel, até o dia em que ele pega no sono durante uma consulta com Olga e quando acorda sua paciente está morta, foi misteriosamente assassinada. Desesperado, o psiquiatra agora se vê obrigado a esconder o (belo) corpo de Olga, fugir do marido dela e da polícia, o que acaba ocasionando uma incrível sucessão de erros absurdos. Necrofilia, Pirofagia, sadomasoquismo, voyerismo e demais temas são tocados no filme.
Chegou ao Brasil com dois anos de atraso, Um Enigma no Divã é uma comédia de humor negro produzida entre França e Alemanha, dois países que não são exatamente muito hábeis na arte de fazer rir no cinema.



O admirável Mundo novo, o abominável Cliente novo e o improvável Analista novo.


Marli Piva Monteiro


(...) Conforme o cineasta Gilles Vallet "Cinema e psicanálise nasceram na mesma época, têm a mesma vocação: "Permitir que as pessoas vejam o mundo de uma maneira diferente" e sem dúvida com muita razão, Jean-Jacques Beneix, diretor do filme "O enigma do divã " cujo titulo original, muito sugestivo, é "Mortel transfert", declarou ,"Ser psicanalista é uma das últimas profissões de alto risco que temos por aí".

Nesse admirável "setting" novo, o analista tem dificuldade para situar-se, para histericizar o cliente ao qual "os saberes" do analista não interessam, pois ele já os tem. O que ele quer é que o analista, seja lá quem for, e seja lá como for, lhe proporcione os meios de reduzir sua ansiedade, depressão, seu sofrimento, enfim. O analista já não consegue colocar o cliente dividido no conflito, contraditório – ele está cheio de certezas. Vê-se então o analista como o músico a quem pediram que execute uma peça mas subtraíram-lhe a partitura.

O novo cliente é um cyber cliente, acostumado à rapidez e superficialidade da informação da Internet, afastado do mundo real, cada vez mais mergulhado no mundo virtual, fazendo negócios sem nem sequer conhecer seus clientes. Faz amor por e-mail e tecla sua paixão nas salas de bate papo. Numa entrevista no programa Roda Viva, dizia o filósofo Newton Bignoto, "A hipertrofia da intimidade destrói o bem público" O cliente cyber não sai de casa porque não precisa nem quer ser incomodado, mas vivendo enjaulado, engaiolado e só, vem perdendo o direito aos bens, que concordamos serem bens de todos, a liberdade, a tranqüilidade, a segurança.

O sujeito da modernidade é o inesquecível "Cidadão Kane" de Orson Welles, produzido em 1941 e considerado uma das obras primas do cinema de todos os tempos. Ë o sujeito que quer reformar o mundo, mas construindo um mundo só seu e acaba vítima da sua própria armadilha. Seu narcisismo articulado de forma metafórica mas ao mesmo tempo linear, cristalina, surge no estabelecimento da primeira relação afetiva que culmina num casamento sem amor nem consideração, numa desatenção clara e objetiva, típica do amar narcísico que se basta a si mesmo. A segunda relação, extraconjugal é também apática, isenta do colorido apaixonado das relações proibidas e sigilosas, pretendendo a satisfação concreta de um pálido sonho inconsistente, quase – capricho, mencionado "en passant" pela mocinha pobre, encantada com o homem rico que lhe faz a corte e que dela se apodera para assegurar seu prestígio, sua vontade e confirmar sua onipotência. A cantora lírica-blefe é imposta pelos seus jornais que a ovacionam e promovem.

Mr. Charles Foster Kane ignora a todos e impõe-se como o dono do dinheiro, da divulgação e da verdade incontestável. Sua alucinada onipotência alcança o auge na construção do palácio-museu, repleto de estátuas que o fitam em muda e admirada contemplação. Seus quadros, de valor duvidoso e extremo mau gosto, garantem-lhe uma sensação de opulência, segurança e poder que a fortaleza do alto da montanha reflete. Mas Xenadu, como toda utopia, é o paraíso-inferno onde se faz enterrar junto com a muda e passiva companheira que no final decide abandoná-lo para sobreviver. As caixas, na cena final, que vão se transformando em prédios de concreto, retratam o mundo vazio e desprovido de emoções – o admirável mundo novo – limpo, perfeito, porém órfão de emoções. A busca incessante do objeto do desejo, objeto inalcançável e eternamente perseguido, agalma, dom, Santo Graal é a comprovação da eterna insatisfação, da impossibilidade que a morte e somente ela lhe tira das mãos e da boca – ROSEBUD – botão de rosa esconde ao mesmo tempo o segredo e o despertar da flor – mulher arredia e irreal, reafirma o sujeito quando não é mais nada, Édipo em Colono e sua única possibilidade de vir-a-ser. (continua)

Leia mais:http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/cogito/v6/v6a23.pdf

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