8 de março de 2008

ROMANCE PELO CHAT


ROMANCE PELO CHAT


- Doutor, sofro de insônia. Levantei ontem à noite e flagrei meu marido fazendo sexo pela Internet. Isso é traição?
- Em primeiro lugar, de onde a senhora está teclando?
- Taguatinga. E o senhor?
- Miami. Veja, sua pergunta já traz uma resposta embutida: SIM. O relacionamento conjugal implica em trocas e responsabilidades, e esse seu incômodo significa que a senhora não está recebendo a atenção da qual se julga merecedora.
- Aquele safado!
- Essa aparente discordância sobre o tema deveria ser objeto de um diálogo com seu marido.
- Maníaco, é o que ele é!
- Talvez a senhora devesse procurar um psicoterapeuta ortodoxo, e não um profissional on-line como eu.
- Sabe o nome da sirigaita, doutor? Lara Croft.
- Hummm... Interessante. Isso abre um novo campo. Se o seu marido se relaciona com um personagem de videogame, talvez tenhamos de voltar a questões mal resolvidas que ficaram lá da infância.
- A magrela peituda da Lara Croft! E olha que eu tenho muito mais carne do que aquela tábua de passar roupa empenada.
- Hummm... Interessante essa questão da auto-imagem. A senhora poderia descrever-se?
- 35 anos, mas aparento menos. Peso proporcional. Loira.
- Legítima?
- Eu pinto o cabelo há tanto tempo que já virei legítima.
- Hummm... Interessante essa transferência da persona morena para a persona loira. A senhora referiu-se a Lara Croft como - deixe-me voltar o cursor - magrela peituda.
Talvez a não aceitação do corpo esteja provocando crises de auto-estima.
Gostaria de ter seios maiores?
- Não. São de bom tamanho. Todo mundo elogia.
- Hummm... Interessante. Qual o seu número?
- Nunca lembro. Vou olhar na etiqueta. 46.
- Hummm... Interessante. A senhora tem uma webcam aí?
- Uma o quê?
- Câmera conectada à Internet.
- Não, doutor. Para quê?
- Para eu ver seus olhos, o espelho da alma. Curiosidade, só.
- Hummm... Também sou curiosa. Como o senhor é?
- Um tipo comum, 53 anos, cabelos grisalhos.
- Adoro homens grisalhos. Será alguma coisa mal resolvida na relação entre meu pai e eu?
- Talvez a senhora deva procurar um terapeuta sexual on-line.
- O senhor não é terapeuta sexual e nós não estamos on-line?
- Sim, mas não acho ético um terapeuta analisar a paciente pela qual se sente atraído... Ops!
- O senhor, atraído também? Então, o que nós estamos fazendo não é sexo pela Internet? Ou pelo menos umas preliminares? E isso não é traição?
- NÃO. Relaxe. E fale-me dessas suas noites de insônia.
- Falo. Mas, só uma coisinha, doutor: a webcam é mais barata aí em Miami, ou aqui na Feira do Paraguai?




O que dizer a respeito da traição virtual?


A fidelidade exigida no casamento depende do tipo de acordo entre as partes, mas envolve também alguns fatores objetivos. Entre um cônjuge e um personagem de livro, filme ou videogame não haveria infidelidade, embora a obsessão de um por isso ou por qualquer outra coisa, com conotação mais, menos ou nada sexual, pudesse influir em sua capacidade de pagar devidamente suas obrigações conjugais relativas a conjunções carnais e outras atenções concomitantes ou não.

Quanto a outro cônjuge atrair-se ou apaixonar-se por um terceiro, isso também ainda não constitui infidelidade, mesmo que seja correspondida na paixão ou atração. A infidelidade vai depender da consumação da infidelidade, mediante conjunções carnais - adultério - ou outras ações que, embora tecnicamente não configurem adultério, configuram grave humilhação para o cônjuge traído, e são motivos suficientes para a separação onerosa (com direito de indenização à parte vítima do adultério ou humilhação).

Nota que no caso desse pequeno conto, não há propriamente um jogo "amoroso" deliberado, apenas a constatação de uma atração recíproca, o que não constitui traição às regras conjugais... embora possa causar alguma aflição ao outro cônjuge, caso fique sabendo.

(...) Procurei e achei a lei que fala da tal "conduta desonrosa". É a famosa lei do divórcio (LEI Nº 6.515, DE 26 DE DEZEMBRO DE 1977, que peguei na Internet:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6515.htm):

"Art. 5º - A separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. "

Nota que nesse caso são pertinentes aspectos peculiaríssimos de cada um e cada casamento, embora também envolva a questão da razoabilidade. Mais uma vez, o incerto será a caracterização de culpa - e respectivos ônus, como dever de indenização ou perda de certos direitos - na separação... mas, realmente, "motivo" para a separação ou divórcio é quase que garantida no caso de uma das partes meramente se sentir inconformado com uma conduta ou mera preferência do cônjuge. Vale até ciúmes por conta da admiração platônica pelo Jô Soares ou da Marta Suplici, da parte do outro cônjuge. Pretexto ou maluquice serve para separar... afinal, também serve para juntar...

Régis Antônio Coimbra

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