24 de novembro de 2007

Poderia




Poderia

Poderia amar-te
na aurora das revoluções,
com o amor alucinado
dos anarquistas loucos,
em caves desertas e cinzentas de fumo,
sob furacões de balas e multidão,
no delírio sangrento
da queda da ordem
e das tiranias

Amar-nos-íamos!
Amores crispados,
amores profanos,
amores inquietos de pólvora
e arame farpado.

Ficaríamos depois,
ombros nos ombros,
alheios às chamas,
olhando a imensa flor vermelha
irrompendo
por entre os escombros.

Manuel Filipe


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Integração

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram. (...)
Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

Carlos Drummond de Andrade In:
O Amor Natural, 1992.

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