13 de novembro de 2008

A psicologia começa com a vida






A psicologia começa com a vida


(...) Ser vivente significa ter uma unidade que transcende a dos componentes materiais elementares que se agrupam no organismo. O que caracteriza a vida é justamente o fato de que o todo do ser é que se relaciona com o meio. O ser vivo é um sistema fechado que se organiza e se preserva na relação com o meio. O conceito de “alma” atende a essa percepção: num corpo vivo existe uma estrutura integrativa dinâmica responsável pelo seu ser, por seu funcionamento como unidade, e por seu desenvolvimento. Se divido uma pedra ao meio, terei duas pedras: isso é um tipo de unidade. Se divido um gato ao meio, terei um gato morto, ou seja, não mais terei nenhum gato. É outro tipo de unidade. A linguagem criou o conceito de alma porque era necessário para darmos conta da originalidade do ser vivo. Dizer “tem alma”, é o mesmo que dizer “é animado” ou “é vivente”, isto é, “tem uma unidade de outro nível”, ou ainda “preserva-se como um todo”. A psicologia é o estudo da alma (psique = alma, logos = razão). E então deve começar fazendo contato com a originalidade do ser vivo, constituindo o psiquismo como seu objeto.

Eis o que diz Tomás: “a ação da alma ultrapassa a ação da natureza corporal. A natureza corporal, toda ela, está com efeito submetida à alma, e se refere a ela como matéria e instrumento” (I, q.78, a.1). As operações dos elementos materiais no corpo vivo são como instrumentos a serviço da vida; mas a vida as ultrapassa, como uma estrutura ultrapassa as sub-estruturas que utiliza.

A partir daí Tomás vai caracterizar a vida pela autonomia de movimentos. Começa a ser vivente aquele que começa a se mover por si mesmo, preservando sua unidade (e dando continuidade assim ao fluxo da vida no planeta). E já não é mais vivente aquele que já não se move a si mesmo, mas apenas é movido por outro (colocando sua matéria a serviço de outros sistemas).

A vida não é como uma porção de matéria que contamina o restante de um corpo. Ela é a própria matéria bruta enrolando-se sobre si própria, organizando-se num sistema complexo, diferente dos níveis de organização anteriores, ganhando uma autonomia nova e caminhando para uma preservação do indivíduo, e ultrapassando o próprio indivíduo na busca de se garantir como um fluxo novo no mundo material. O movimento do universo material já trazia em seu bojo a potencialidade do que viria a ser vida: para Tomás ele tem uma “semelhança de vida” (I, q.18, a.1, sol.1). Bem poderíamos dizer, de nosso ponto de vista, que essa semelhança de vida não deixa de ser uma semente.

A vida transfigura totalmente uma determinada porção de matéria. Quando o corpo vivo morre, não podemos mais dizer que é o mesmo ser. Tomás evoca aqui um dito de Aristóteles: para os seres vivos, viver é ser (I, q.18, a.2, s.c.). Viver refere-se a esse modo de ser consistente, no fluxo do universo, e não apenas ao operar. O operar decorre do ser.

Em decorrência desse olhar para o ser podemos ver que a vida se apresenta em graus diferentes, e com características diferentes. O tipo de autonomia que têm as plantas não é o mesmo daquele que se apresenta nos animais. E a autonomia que é possível ao ser humano, por sua vez, ultrapassa aquela dos animais. Se a manifestação básica da vida em nosso mundo for a vegetativa, a partir daí ela vai se mostrando em formas cada vez mais complexas, até chegar no ser humano. Este cresce como uma planta, percebe e sente como um animal, e, além disso, pensa, é capaz de um entendimento e de um afeto de outra ordem de complexidade. O ser humano transcende as determinações de uma natureza fechada (própria da planta), de um instinto também totalmente determinante (como no animal), e se abre para a reflexão, o que lhe permite um grau de autonomia antes insuspeitado (I, q.18, art.3). É importante dizermos que essa graduação nos processos da vida, explícita em Tomás de Aquino, corresponde ao que nós, melhor do que ele, vemos num fluxo evolutivo: na história do mundo foram emergindo formas cada vez mais complexas de organização autônoma e unidade, transcendendo sempre mais as possibilidades isoladas da matéria elementar.

Nosso mundo não se compõe apenas de “matéria elementar”. Existem “estruturas complexas” que organizam essa matéria elementar e lhe dão um sentido novo. Como se apresenta isso?

Leia na Integra:
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos05/amatuzzi01.htm

Nenhum comentário: