29 de setembro de 2007

EDUCAÇÃO E CYBERCULTURA






EDUCAÇÃO E CYBERCULTURA*


Pierre Lévy


A nova relação com o saber

Toda e qualquer reflexão séria sobre o devir dos sistemas de educação e formação na cybercultura deve apoiar-se numa análise prévia da mutação contemporânea da relação com o saber. A esse respeito, a primeira constatação envolve a velocidade do surgimento e da renovação dos saberes e do know-how. Pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no começo de seu percurso profissional serão obsoletas no fim de sua carreira. A segunda constatação, fortemente ligada à primeira, concerne à nova natureza do trabalho, na qual a parte de transação de conhecimentos não pára de crescer. Trabalhar equivale cada vez mais a aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos. Terceira constatação: o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que ampliam, exteriorizam e alteram muitas funções cognitivas humanas: a memória (bancos de dados, hipertextos, fichários digitais [numéricos] de todas as ordens), a imaginação (simulações), a percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), os raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos).


Tais tecnologias intelectuais favorecem novas formas de acesso à informação, como: navegação hipertextual, caça de informações através de motores de procura, knowbots, agentes de software, exploração contextual por mapas dinâmicos de dados, novos estilos de raciocínio e conhecimento, tais como a simulação, uma verdadeira industrialização da experiência de pensamento, que não pertence nem à dedução lógica, nem à indução a partir da experiência.


Devido ao fato de que essas tecnologias intelectuais, sobretudo as memórias dinâmicas, são objetivadas em documentos numéricos (digitais) ou em softwares disponíveis em rede (ou de fácil reprodução e transferência), elas podem ser partilhadas entre um grande número de indivíduos, incrementando, assim, o potencial de inteligência coletiva dos grupos humanos.


O saber-fluxo, o saber-transação de conhecimento, as novas tecnologias da inteligência individual e coletiva estão modificando profundamente os dados do problema da educação e da formação. O que deve ser aprendido não pode mais ser planejado, nem precisamente definido de maneira antecipada. Os percursos e os perfis de competência são, todos eles, singulares e está cada vez menos possível canalizar-se em programas ou currículos que sejam válidos para todo o mundo. Devemos construir novos modelos do espaço dos conhecimentos. A uma representação em escalas lineares e paralelas, em pirâmides estruturadas por «níveis», organizadas pela noção de pré-requisitos e convergindo até saberes «superiores», tornou-se necessário doravante preferir a imagem de espaços de conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxos, não-lineares, que se reorganizam conforme os objetivos ou contextos e nos quais cada um ocupa uma posição singular e evolutiva.


Assim sendo, tornam-se necessárias duas grandes reformas dos sistemas de educação e formação. Primeiro, a adaptação dos dispositivos e do espírito do aprendizado aberto e à distância (AAD) no cotidiano e no ordinário da educação. É verdade que o AAD explora certas técnicas do ensino à distância, inclusive a hipermídia, as redes interativas de comunicação e todas as tecnologias intelectuais da cybercultura. O essencial, porém, reside num novo estilo de pedagogia que favoreça, ao mesmo tempo, os aprendizados personalizados e o aprendizado cooperativo em rede. Nesse quadro, o docente vê-se chamado a tornar-se um animador da inteligência coletiva de seus grupos de alunos, em vez de um dispensador direto de conhecimentos.


A segundo reforma envolve o reconhecimento do aprendido. Ainda que as pessoas aprendam em suas experiências profissionais e sociais, ainda que a escola e a universidade estejam perdendo progressivamente seu monopólio de criação e transmissão do conhecimento, os sistemas de ensino públicos podem ao menos dar-se por nova missão a de orientar os percursos individuais no saber e contribuir para o reconhecimento do conjunto de know-how das pessoas, inclusive os saberes não-acadêmicos. As ferramentas do ciberespaço permitem considerar amplos sistemas de testes automatizados acessíveis a todo o momento e redes de transação entre a oferta e a demanda de competência. Ao organizar a comunicação entre empregadores, indivíduos e recursos de aprendizado de todas as ordens, as universidades do futuro estariam contribuindo para a animação de uma nova economia do conhecimento.


Este capítulo e o próximo desenvolvem as idéias que acabam de ser expostas e propõem, a título de conclusão, certas soluções práticas (as «árvores de conhecimentos»).

A articulação de uma multidão de pontos de vista sem ponto de vista de Deus

Em um de meus cursos na Universidade Paris-8, intitulado “Tecnologias digitais e mutações culturais”, eu peço para cada estudante apresentar uma exposição de dez minutos. Na véspera das exposições, devo receber uma síntese de duas páginas, acompanhada de uma bibliografia, que poderá eventualmente ser fotocopiada pelos outros estudantes que desejem aprofundar a questão.


Em 1995, um deles me entregou suas duas páginas de resumo, dizendo com um certo mistério: “Aqui está! Trata-se de uma exposição virtual!” Por mais que eu leia seu trabalho sobre os instrumentos musicais digitais, não vejo o que o diferencia das sínteses habituais: um título em negrito, subtítulos, palavras sublinhadas num texto bastante bem articulado, uma bibliografia. Divertido com meu ceticismo, leva-me até a sala dos computadores e, acompanhados por outros estudantes, instala-nos diante de um terminal. Descubro, então, que as duas páginas de resumo a que eu havia recorrido no papel eram a projeção impressa de páginas da Web.

Em vez de um texto localizado, fixado num suporte de celulose, no lugar de um pequeno território com um autor proprietário, um começo, um fim, margens formando fronteiras, eu me via diante de um documento dinâmico, aberto, onipresente, que me remetia para um corpus praticamente infinito. O mesmo texto mudara de natureza. Fala-se em «página» em ambos os casos, mas a primeira página é um pagus, um campo delimitado, apropriado, semeado de sinais arraigados, a outra é uma unidade de fluxos, sujeita às obrigações do caudal nas redes. Mesmo referindo-se a artigos ou livros, a primeira página está fisicamente fechada. A segunda, ao contrário, conecta-nos técnica e imediatamente a páginas de outros documentos, espalhadas por todo o planeta, que por sua vez nos remetem indefinidamente a outras páginas, a outras gotas do mesmo oceano mundial de sinais flutuantes.


A partir da invenção de uma pequena equipe do CERN, a World Wide Web propagou-se como pólvora entre os usuários da internet para tornar-se, em poucos anos, um dos principais eixos de desenvolvimento do ciberespaço. Talvez isso não expresse mais do que uma tendência provisória. Mas, pelos laços que ela lança para o resto da rede, pelos cruzamentos ou as bifurcações que propõe, constitui-se também numa seleção organizadora, um agente estruturante, uma filtragem desse corpus. Cada elemento desse incircunscritível novelo é, ao mesmo tempo, um pacote de informação e um instrumento de navegação, uma parte do estoque e um ponto de vista original sobre o referido estoque. Numa face, a página Web forma a gotinha de um tudo fugidio, enquanto na outra face propõe um filtro peculiar do oceano de informações.


Na Web, tudo está no mesmo plano. Não obstante, tudo está diferenciado. Não há nenhuma hierarquia absoluta, e cada sítio é um agente de seleção, de encaminhamento ou de hierarquização parcial. Longe de ser uma massa amorfa, a Web articula uma multidão aberta de pontos de vista; porém, essa articulação opera-se transversalmente, em rizoma, sem ponto de vista de Deus, sem unificação superior. Que esse estado de coisas gera confusão, cada um o reconhece. Novos instrumentos de indexação e pesquisa precisam ser inventados, conforme atesta a riqueza dos trabalhos atuais sobre a cartografia dinâmica dos espaços de dados, os “agentes” inteligentes ou a filtragem cooperativa das informações. Ainda assim, quaisquer que sejam os progressos vindouros das técnicas de navegação, é muito provável que o ciberespaço conserve sempre seu caráter profuso, aberto, radicalmente heterogêneo e não-totalizável.

O segundo dilúvio e a inacessibilidade do tudo

Sem fechamento semântico ou estrutural, a Web tampouco está parada no tempo. Aumenta, mexe-se e transforma-se sem parar. A World Wide Web está fluindo, escoando. Suas inumeráveis fontes, suas turbulências, sua irresistível ascensão oferecem uma fantástica imagem da cheia contemporânea de informação. Cada reserva de memória, cada grupo, cada indivíduo, cada objeto pode tornar-se emissor e aumentar o fluxo. A esse respeito e de maneira colorida, Roy Ascott fala do segundo dilúvio. O dilúvio de informações. Para o melhor ou o pior, esse dilúvio não será acompanhado por nenhum refluxo. Devemos acostumarmo-nos a essa profusão e a essa desordem. A não ser alguma catástrofe cultural, nenhum grande reordenamento, nenhuma autoridade central nos levará de volta à terra firme, nem às paisagens estáveis e bem balizadas anteriores à inundação.


O ponto da virada histórica da relação com o saber situa-se provavelmente no fim do século XVIII, naquele momento de frágil equilíbrio em que o mundo antigo brilhava com suas melhores luzes, enquanto as fumaças da revolução industrial começavam a mudar a cor do céu. Quando Diderot e d’Alembert publicavam sua grande Enciclopédia. Até aquele momento, então, um pequeno grupo de homens podia ter a esperança de dominar a totalidade dos saberes (ou ao menos os principais) e propor aos outros o ideal desse domínio. O conhecimento ainda podia ser totalizado, somado. A partir do século XIX, com a ampliação do mundo, com a progressiva descoberta de sua diversidade, com o crescimento cada vez mais rápido dos conhecimentos científicos e técnicos, o projeto de domínio do saber por um indivíduo ou um pequeno grupo tornou-se cada vez mais ilusório. Tornou-se hoje evidente, tangível para todos, que o conhecimento passou definitivamente para o lado do não-totalizável, do indominável. Não podemos senão desistir.


A emergência do ciberespaço não significa em absoluto que “tudo” esteja enfim acessível, mas que o tudo está definitivamente fora de alcance. O que salvar do dilúvio? O que é que colocaremos na arca? Pensar que poderíamos construir uma arca que contivesse o “principal” seria precisamente ceder à ilusão da totalidade. Todos nós, instituições, comunidades, grupos humanos, indivíduos, necessitamos construir um significado, providenciar zonas de familiaridade, domesticar o caos ambiente. Mas, por um lado, cada um deve reconstruir à sua maneira totalidades parciais, de acordo com seus próprios critérios de pertinência. Por outro lado, essas zonas apropriadas de significado deverão necessariamente ser móveis, mutantes, em devir. De modo que, à imagem da grande arca, devemos substituir a flotilha de pequenas arcas, botes ou sampanas, uma miríade de pequenas totalidades, diferentes, abertas e provisórias, segregadas por filtragem ativa, perpetuamente retomadas pelos coletivos inteligentes que se cruzam, se chamam, se chocam ou se misturam nas grandes águas do dilúvio informacional.


Hoje, pois, as metáforas centrais da relação com o saber são a navegação e o surfe, que implicam uma capacidade para enfrentar as ondas, os turbilhões, as correntes e os ventos contrários numa extensão plana, sem fronteiras e sempre mutante. Em contrapartida, as velhas metáforas da pirâmide (escalar a pirâmide do saber), da escala ou do curso (já todo traçado) têm aquele cheiro gostoso das hierarquias imóveis de outrora.

Quem sabe? A reencarnação do saber

As páginas Web expressam as idéias, os desejos, os saberes, as ofertas de transação de pessoas e grupos humanos. Atrás do grande hipertexto está borbulhando a multidão e suas relações. No ciberespaço, o saber não pode mais ser concebido como algo abstrato ou transcendente. Está se tornando cada vez mais evidente — e até tangível em tempo real — que esse saber expressa uma população. Não só as páginas Web são assinadas, igualmente às páginas de papel, como também costumam desembocar numa comunicação direta, interativa, via correio digital, fórum eletrônico, ou outras formas de comunicação por mundos virtuais, como os MUDs ou os MOOs. Assim, ao contrário do que a vulgata mediática deixa crer sobre a pretensa “frieza” do ciberespaço, as redes digitais interativas são potentes fatores de personalização ou encarnação do conhecimento.
Devemos lembrar sem cansar a inanidade do esquema da substituição. Da mesma maneira que a comunicação pelo telefone não tem impedido as pessoas de encontrarem-se fisicamente, pois usamos o telefone para marcar nossos encontros, a comunicação por mensagens eletrônicas muitas vezes prepara viagens físicas, colóquios ou reuniões de negócio. Mesmo quando não acompanha algum encontro material, a interação no ciberespaço não deixa de ser uma forma de comunicação. Ouve-se às vezes, porém, o argumento de que certas pessoas passam horas “frente à tela”, isolando-se dos outros. Não resta dúvida de que não podemos encorajar os excessos. Mas será que dizemos de quem lê que ele “passa horas diante de papel”? Não. Porque a pessoa que lê não está se relacionando com uma folha de celulose, mas está em contato com um discurso, com vozes, com um universo de significado que ela contribui para construir, para habitar com sua leitura. Que o texto esteja numa tela não muda em nada o fundo da questão. Trata-se ainda de leitura, embora, conforme vimos, as modalidades da leitura tendam a transformar-se com os hipertextos e a interconexão geral.


Ainda que os suportes de informação não determinem automaticamente tal ou qual conteúdo de conhecimento, eles não deixam de contribuir para estruturar fortemente a «ecologia cognitiva» das sociedades. Pensamos com e em grupos e instituições que tendem a reproduzir suas idiossincrasias impregnando-nos com seu clima emocional e seus funcionamentos cognitivos. Nossas faculdades para conhecer trabalham com línguas, sistemas de sinais e procedimentos intelectuais fornecidos por uma cultura. Não se multiplica da mesma maneira com cordas, nós, pedras, números romanos, números arábicos, ábacos, réguas de cálculo ou calculadoras. Ao não oferecer as mesmas imagens do mundo, os vitrais das catedrais e as telas de televisor não suscitam os mesmos imaginários. Certas representações não podem sobreviver por muito tempo numa sociedade sem escrita (números, tabelas, listas), enquanto é fácil arquivá-las graças às memórias artificiais. Para codificar seus saberes, as sociedades sem escrita desenvolveram técnicas de memória apoiadas no ritmo, no relato, na identificação, na participação do corpo e na emoção coletiva. Com a ascensão da escrita, ao contrário, o saber pôde desvencilhar-se parcialmente das identidades pessoais ou coletivas, tornar-se mais «crítico», almejar uma certa objetividade e um alcance teórico «universal». Não são apenas os modos de conhecimento que dependem dos suportes de informação e das técnicas de comunicação. Também são, pelo intermédio das ecologias cognitivas que elas condicionam, os valores e os critérios de julgamentos das sociedades. Ora, são precisamente os critérios de avaliação do saber (no sentido mais amplo da palavra) que entram no jogo com a extensão da cybercultura, com o provável, já observável, declínio dos valores vigentes na civilização estruturada pela escrita estática. Não é que esses valores sejam chamados a desaparecer, mas tornar-se-ão secundários, perderão seu poder de comando.


Mais importante talvez do que os gêneros de conhecimentos e os critérios de valor que as polarizam, cada ecologia cognitiva favorece certos atores, postos no centro dos processos de assimilação e exploração do saber. Aqui a questão não é mais «como?», nem «segundo que critérios?», mas «quem?».


Nas sociedades anteriores à escrita, o saber prático, mítico e real é encarnado pela comunidade viva. A morte de um velho é uma biblioteca em chamas. Com o advento da escrita, o saber é carregado pelo livro. O livro, único, indefinidamente interpretável, transcendente, que contém supostamente tudo: a Bíblia, o Alcorão, os textos sacros, os clássicos, Confúcio, Aristóteles… No caso, o intérprete é que domina o conhecimento. Desde a prensa até esta manhã, um terceiro tipo de conhecimento vê-se assombrado pela figura do cientista, do científico. No caso, o saber não é mais carregado pelo livro, mas sim pela biblioteca. A Enciclopédia de Diderot e d’Alembert é menos um livro do que uma biblioteca. O saber é estruturado por uma série de remissões, assombrado, talvez desde sempre, pelo hipertexto. O conceito, a abstração ou o sistema servem, então, para condensar a memória e garantir um domínio intelectual que a inflação dos conhecimentos já está pondo em perigo.


Talvez a desterritorialização da biblioteca a que estamos presenciando hoje não seja senão o prelúdio do surgimento de um quarto tipo de relação com o conhecimento. Por uma espécie de volta em espiral até a oralidade das origens, o saber poderia novamente ser carregado pelas coletividades humanas vivas, do que por suportes separados, servidos por intérpretes ou cientistas. Só que, dessa vez, ao contrário da oralidade arcaica, o carregador direto do saber não seria mais a comunidade física e sua memória carnal, mas sim o ciberespaço, a região dos mundos virtuais pelo intermédio dos quais as comunidades descobrem e constroem seus objetos e se conhecem como coletivos inteligentes.


Os sistemas e os conceitos estão doravante cedendo terreno aos finos mapas das singularidades, à descrição detalhada dos grandes objetos cósmicos, dos fenômenos da vida ou das matérias humanas. Tomemos todos os grandes projetos tecnico-científicos contemporâneos: física das partículas, astrofísica, genoma humano, espaço, nanotecnologias, acompanhamento das ecologias e dos climas… estão todos suspensos ao ciberespaço e às suas ferramentas. Os bancos de dados de imagens, as simulações interativas e as conferências eletrônicas permitem um melhor conhecimento do mundo do que a abstração teórica, relegada ao segundo plano. Ou melhor, eles definem a nova norma do conhecimento. Além disso, tais ferramentas permitem uma eficaz coordenação dos produtores de saber, enquanto teorias e sistemas suscitavam antes a adesão ou o conflito. É impressionante constatar que certas experiências realizadas nos grandes aceleradores de partículas mobilizam tantos recursos, são tão complexas e difíceis de interpretar que elas mal ocorrem mais de uma vez. Cada experiência é quase que singular. Isso parece contradizer o ideal de reprodutibilidade da ciência clássica. Ainda assim, essas experiências continuam universais; porém, de outra maneira que não a possibilidade de reprodução. Delas participam uma multidão de cientistas de todos os países, que formam uma espécie de microcosmo ou de projeção da comunidade internacional. Mas, e sobretudo, o contato direto com a experiência praticamente desapareceu em proveito da produção em massa de dados numéricos. Ora, esses dados podem ser consultados e processados num grande número de laboratórios espalhados, graças aos instrumentos de comunicação e processamento do ciberespaço. Assim, o conjunto da comunidade científica pode participar dessas experiências muito particulares, as quais são outros tantos eventos. A universidade apóia-se, pois, sobre a interconexão em tempo real da comunidade científica, sua participação cooperativa nos eventos que lhe concernem, mais do que sobre a depreciação do evento singular que caracterizava a antiga universalidade das ciências exatas.

A simulação: um modo de conhecimento próprio da cybercultura

Entre os novos gêneros de conhecimento carregados pela cybercultura, a simulação ocupa um lugar central. Numa palavra, trata-se de uma tecnologia intelectual que decuplica a imaginação individual (aumento da inteligência) e permite que grupos partilhem, negociem e refinem modelos mentais comuns, qualquer que seja a complexidade de tais modelos (aumento da inteligência coletiva). Para incrementar e transformar certas capacidades cognitivas humanas (a memória, a imaginação, o cálculo, o raciocínio expert), a informática exterioriza parcialmente essas faculdades em suportes numéricos. Ora, ao serem exteriorizados e reificados, esses processos cognitivos tornam-se partilháveis, reforçando, portanto, os processos de inteligência coletiva… desde que as técnicas sejam utilizadas com discernimento.


Até os sistemas experts (ou sistemas baseados em conhecimentos), tradicionalmente postos na categoria «inteligência artificial», deveriam ser considerados como técnicas de comunicação e mobilização rápida dos know-how de práticas nas organizações, mais do que como duplicações de experts humanos. Tanto no plano cognitivo quanto na organização do trabalho, as tecnologias intelectuais devem ser pensadas em termos de articulação e postas em sinergia, mais do que de acordo com o esquema da substituição.


As técnicas de simulação, em particular as que envolvem imagens interativas, não substituem os raciocínios humanos, mas prolongam e transformam as capacidades de imaginação e pensamento. Com efeito, nossa memória de longo prazo tem a capacidade para armazenar uma quantidade muito grande de informações e conhecimentos. Nossa memória de curto prazo, que contém as representações mentais às quais prestamos deliberadamente nossa atenção, possui, ao contrário, capacidades muito limitadas. Para nós é impossível, por exemplo, representarmos clara e distintamente mais de uma dezena de objetos em interações.


Embora possamos evocar mentalmente a imagem do castelo de Versalhes, não conseguimos contar suas janelas «em nossa cabeça». O grau de resolução da imagem mental não é suficiente. Para chegar a esse nível de detalhe, necessitamos de uma memória auxiliar externa (gravura, fotografias, pintura), graças à qual poderemos efetuar novas operações cognitivas: contar, medir, comparar, etc. A simulação é uma ajuda para a memória de curto prazo que envolve não imagens fixas, textos ou tabelas de números, e sim dinâmicas complexas. A capacidade de fazer variar facilmente os parâmetros de um modelo e observar de imediato e visualmente as conseqüências dessa variação constitui-se numa verdadeira ampliação da imaginação.


Hoje em dia, a simulação exerce um papel crescente nas atividades de pesquisa científica, de concepção industrial, de gestão, de aprendizado, mas também para o jogo e a diversão (em especial os jogos interativos na tela). Em teoria, em experiência, a maneira de industrialização da experiência de pensamento – a simulação – é um modo especial de conhecimento, próprio da cybercultura nascente. Na pesquisa, seu principal interesse não está, evidentemente, na substituição da experiência, nem em fazer as vezes de realidades, mas em permitir a formulação e a rápida exploração de um grande número de hipóteses. Sob o ângulo da inteligência coletiva, ela permite a colocação em imagens e a partilha de mundos virtuais e de universos de significado de uma grande complexidade.
Doravante, os saberes são codificados em bancos de dados acessíveis em linha, em mapas alimentados em tempo real pelos fenômenos do mundo e em simulações interativas. A eficiência, a fecundidade heurística, o poder de mutação e bifurcação, a pertinência temporal e contextual dos modelos estão suplantando os antigos critérios de objetividade e universalidade abstrata. Está presente, no entanto, uma forma mais concreta de universalidade pela capacidades de conexão, o respeito de padrões ou formatos, a compatibilidade ou a interpolaridade planetária.

Da interconexão caótica à inteligência coletiva

Destotalizado, o saber flutua. Donde vem um violento sentimento de desorientação. Deveremo-nos crispar nos procedimentos e esquemas que garantiam a antiga ordem do saber? Não devermos, ao contrário, dar um pulo e penetrar em cheio na nova cultura, que oferece remédios específicos para os males que a mesma gera? É certo que a interconexão em tempo real de todos com todos é a causa da desordem. Mas ela é também a condição de possibilidade das soluções práticas para os problemas de orientação e aprendizado no universo do saber em fluxo. Com efeito, essa interconexão favorece os processos de inteligência coletiva nas comunidades virtuais, graças a que o indivíduo vê-se menos desprovido frente ao casos informacional.


Mais precisamente, o ideal mobilizador da informática não é mais a inteligência artificial (tornar uma máquina tão inteligente, mais inteligente até, quanto um homem), mas sim a inteligência coletiva, isto é, a valorização, a utilização otimizada e a colocação em sinergia das competências, imaginações e energias intelectuais, independentemente de sua diversidade qualitativa e de sua localização. Esse ideal da inteligência coletiva passa evidentemente pela colocação em comum da memória, da imaginação e da experiência, por uma prática banalizada do intercâmbio de conhecimentos, por novas formas, flexíveis e em tempo real, de organização e coordenação. Embora as novas técnicas de comunicação favoreçam o funcionamento, em inteligência coletiva, dos grupos humanos, cabe repetir que elas não o determinam de maneira automática. A defesa de poderes executivos, das rigidezes institucionais, a inércia das mentalidades e das culturas podem evidentemente levar a utilizações sociais das novas tecnologias muito menos positivas, conforme critérios humanistas.
O ciberespaço, interconexão dos computadores do planeta, tende a tornar-se a maior infra-estrutura da produção, da gestão, da transação econômica. Em breve, constituirá o principal equipamento coletivo internacional da memória, do pensamento e da comunicação. Em suma, daqui a algumas décadas, o ciberespaço, suas comunidades virtuais, suas reservas de imagens, suas simulações interativas, sua irreprimível profusão de textos e sinais serão o mediador essencial da inteligência coletiva da humanidade. Com esse novo suporte de informação e comunicação, estão emergindo gêneros de conhecimentos inéditos, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, os novos atores na produção e no processamento dos conhecimentos. Toda e qualquer política de educação deverá levá-lo em consideração.

Mutações da educação e economia do saber

Aprendizado aberto e à distância

Os sistemas de educação estão sofrendo hoje novas obrigações de quantidade, diversidade e velocidade de evolução dos saberes. Num plano puramente quantitativo, jamais foi tão maciça a demanda por formação. Em muitos países, a maioria de uma classe etária é que recebe um ensino de segundo grau. As universidades estão mais do que lotadas. Os dispositivos de formação profissional e contínua estão saturados. A título de imagem, dir-se-á que metade da sociedade está, ou gostaria de estar, na escola.
Será impossível aumentar o número de professores proporcionalmente à demanda de formação que é, em todos os países do mundo, cada vez mais diversa e maciça. A questão do custo do ensino surge mais especialmente nos países pobres. Ou seja, será necessário decidir-se a encontrar soluções que apelem para técnicas capazes de multiplicar o esforço pedagógico dos professores e dos formadores. Audiovisual, «multimídia» interativa, ensino assistido por computador, televisão educativa, cabo, técnicas clássicas de ensino à distância fundamentadas essencialmente na escrita, monitorado por telefone, fax ou internet… Todas essas possibilidades técnicas, de uma maior ou menor pertinência conforme seu conteúdo, a situação, as necessidades do «aprendiz», podem ser consideradas e já têm sido amplamente testadas e experimentadas. Tanto no plano das infra-estruturas materiais quanto no dos custos de operação, escolas e universidades «virtuais» custam menos do que as escolas e universidades que ministram em «presencial».


A demanda por formação não só está passando por um enorme crescimento quantitativo, como também está sofrendo uma profunda mutação qualitativa, no sentido de uma crescente necessidade de diversificação e personalização. Os indivíduos suportam cada vez menos acompanhar cursos uniformes ou rígidos que não correspondem às suas reais necessidades e à especificidade de seus trajetos de vida. Uma resposta ao crescimento da demanda por uma massificação da oferta (mais da mesma coisa, com o fim de alcançar economias de escala) seria uma resposta «industrialista» à antiga, inadaptada à flexibilidade e à diversidade futuramente requeridas.


Vê-se como o novo paradigma da navegação (em oposição ao do «cursus»), que se está desenvolvendo nas práticas de coleta de informação e de aprendizado cooperativo no seio do ciberespaço, mostra a via de um acesso ao mesmo tempo maciço e personalizado ao conhecimento.
As universidades e, cada vez mais, as escolas de primeiro e segundo graus oferecem aos estudantes a possibilidade de navegar sobre o oceano de informação e conhecimento acessível pela internet. Programas educativos podem ser seguidos à distância pela World Wide Web. Os correios e as conferências eletrônicas servem para a monitorização inteligente e são postos ao serviço de dispositivos de aprendizado cooperativo. Os suportes hipermídia (CD-ROM, bancos de dados multimídia interativos e em linha) permitem acessos intuitivos rápidos e atrativos a grandes conjuntos de informação. Sistemas de simulação permitem que os aprendizes se familiarizem de maneira prática e barata com objetos ou fenômenos complexos sem, por isso, sujeitarem-se a situações perigosas ou difíceis de controlar.


Os especialistas da área reconhecem que a distinção entre ensino «em presencial» e ensino «à distância» será cada vez menos pertinente, pois o uso das redes de telecomunicação e dos suportes multimídia interativos está integrando-se progressivamente às formas de ensino mais clássicas (1). O aprendizado à distância tem sido durante muito tempo o «estepe» do ensino e, em breve, tornar-se-á, se não a norma, ao menos a cabeça pesquisadora. Com efeito, as características do AAD são semelhantes às da sociedade da informação em seu conjunto (sociedade de rede, de velocidade, de personalização, etc.). Além disso, esse tipo de ensino está em sinergia com as «organizações aprendizes» que uma nova geração de administradores está procurando implantar nas sociedades.


O aprendizado cooperativo e o novo papel dos docentes


O ponto essencial aqui é a mudança qualitativa nos processos de aprendizado. Procura-se menos transferir cursos clássicos em formatos hipermídia interativos ou «abolir a distância» do que implementar novos paradigmas de aquisição dos conhecimentos e de constituição dos saberes. A direção mais promissora, que aliás traduz a perspectiva da inteligência coletiva no campo educativo, é a do aprendizado cooperativo.
Certos dispositivos informatizados de aprendizado de grupo foram especialmente concebidos para a partilha de diversos bancos de dados e o uso de conferências e mensagens eletrônicas. Fala-se, então, em aprendizado cooperativo assistido por computador (em inglês: Computer Supported Cooperative Learning ou CSCL). Nos novos «campos virtuais», professores e estudantes põem em comum os recursos materiais e informacionais à sua disposição. Os professores aprendem ao mesmo tempo que os estudantes e atualizam continuamente tanto seus saberes «disciplinares» quanto suas competências pedagógicas. (A formação contínua dos docentes é uma das aplicações mais evidentes dos métodos do aprendizado aberto e à distância).


As últimas informações atualizadas tornam-se fácil e diretamente acessíveis por intermédio dos bancos de dados em linha e a www. Os estudantes podem participar de conferências eletrônicas desterritorializadas, nas quais intervêm os melhores pesquisadores de sua disciplina. Assim sendo, a função-mor do docente não pode mais ser uma «difusão dos conhecimentos», executada doravante com uma eficácia maior por outros meios. Sua competência deve deslocar-se para o lado do incentivo para aprender e pensar. O docente torna-se um animador da inteligência coletiva dos grupos dos quais se encarregou. Sua atividade terá como centro o acompanhamento e o gerenciamento dos aprendizados: incitação ao intercâmbio dos saberes, mediação relacional e simbólica, pilotagem personalizada dos percursos de aprendizado, etc.

Rumo a uma regulação pública da economia do conhecimento

As reflexões e as práticas sobre a incidência das novas tecnologias na educação têm-se desenvolvido em diversos eixos. Muitos trabalhos, por exemplo, foram realizados sobre a «multimídia», enquanto suporte de ensino, ou sobre os computadores, como substitutos incansáveis dos professores (ensino assistido por computador ou EAC). Nessa visão — extremamente clássica — a informática oferece máquinas de ensinar. Seguido outra abordagem, os computadores são considerados como instrumentos de comunicação, de pesquisa, de informação, de cálculo, de produção de mensagens (textos, imagens ou som) a serem postos nas mãos dos «aprendizes». A perspectiva aqui adotada também é diferente. O uso crescente das tecnologias digitais e das redes de comunicação interativa está acompanhando e ampliando uma profunda mutação da relação com o saber, da qual tentei traçar as grandes linhas neste capítulo. Ao prolongar certas capacidades cognitivas humanas (memória, imaginação, percepção), as tecnologias intelectuais com suporte digital estão redefinindo seu alcance, seu significado, às vezes até sua natureza. As novas possibilidades de criação coletiva distribuída, de aprendizado cooperativo e de colaboração em rede propiciada pelo ciberespaço estão questionando o funcionamento das instituições e os modos habituais de divisão do trabalho, tanto nas empresas quanto nas escolas.


Como manter as práticas pedagógicas em fase com processos de transação de conhecimento em via de rápida transformação e, no futuro, densamente divulgados na sociedade? Não se trata aqui de utilizar a qualquer custo as tecnologias, mas sim de acompanhar consciente e deliberadamente uma mudança de civilização que está questionando profundamente as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas educativos tradicionais e, notadamente, os papéis de professor e aluno.


O que está em jogo na cybercultura, tanto no plano da redução dos custos como no do acesso de todos à educação, não é tanto a passagem do «presencial» para a «distância» e, tampouco, da escrita e do oral tradicionais para a «multimídia». É sim a transição entre uma educação e uma formação estritamente institucionalizada (escola, universidade) e uma situação de intercâmbio generalizado dos saberes, de ensino da sociedade por ela mesma, de reconhecimento autogerido, móvel e contextual das competências. Nesse quadro, o papel do poder público haveria de ser:
1) garantir a cada um uma formação elementar de qualidade (2);
2) permitir para todos um acesso aberto e gratuito a mediatecas, centros de orientação, documentação e autoformação, a pontos de entrada no ciberespaço, sem negligenciar a indispensável mediação humana do acesso ao conhecimento;
3) regular e animar uma nova economia do conhecimento, na qual cada indivíduo, cada grupo, cada organização sejam considerados como recursos potenciais de aprendizado ao serviço de percursos de formação contínuos e personalizados.

Saber-fluxo e dissolução das separações

Desde o fim dos anos 60 do presente século, os seres humanos têm começado a experimentar uma relação com os conhecimentos e os know-how que seus ancestrais desconheciam. Com efeito, antes deste período, as competências adquiridas na juventude via de regra continuavam em uso no fim da vida ativa. Tais competências até eram transmitidas de maneira quase idêntica para os jovens ou aprendizes. A bem da verdade, novos procedimentos, novas técnicas surgiam. Contudo, inovações que se destacassem num fundo de estabilidade eram a exceção. Na escala de uma vida humana, a maior parte dos know-how úteis sutis eram perenes. Ora, em nossos dias, a situação mudou radicalmente, pois a maioria dos saberes adquiridos no começo de uma carreira estarão obsoletos no fim de um percurso profissional, até mesmo antes. As desordens da economia, assim como o ritmo precipitado das evoluções científicas e técnicas, determinam uma aceleração generalizada da temporalidade social.

Por causa disso é que os indivíduos e os grupos não se deparam mais com saberes estáveis, com classificações de conhecimentos herdadas e confortadas pela tradição, mas sim como um saber-fluxo caótico, cujo curso é difícil de prever e no qual a questão agora é aprender a navegar. A relação intensa com o aprendizado, com a transmissão e a produção de conhecimentos não está mais reservado para uma elite, mas diz respeito à massa das pessoas em sua vida diária e em seu trabalho.
Portanto, está superado o velho esquema segundo o qual se aprende na juventude um ofício que será exercido pelo resto da vida. Os indivíduos são chamados a mudar de profissão várias vezes em sua carreira e a própria noção de ofício está tornando-se cada vez mais problemática. Melhor seria raciocinar em termos de competências variadas, das quais cada um possuiria uma coleção singular. Cabe às pessoas, então, manterem e enriquecerem sua coleção de competência ao longo de sua vida. Essa abordagem leva a questionar a divisão clássica entre período de aprendizado e período de trabalho (pois se aprende o tempo todo), bem como o ofício enquanto principal modo de identificação econômica e social das pessoas.
Com a formação contínua, a formação em alternância, os dispositivos de aprendizado na empresa, a participação na vida associativa, sindical, etc., está constituindo-se um continuum entre tempo de formação, por um lado, e tempos de experiência profissional e social por outro. Dentro desse continuum, um lugar está sendo aberto para todas as modalidades de aquisição de competências (inclusive a autodidaxia).
Para uma parcela crescente da população, o trabalho não é mais a execução repetitiva de uma tarefa prescrita, mas sim uma atividade complexa, na qual a resolução inventiva de problemas, a coordenação dentro de equipes e a gestão de relações humanas ocupam lugares não-desprezíveis. A transação de informações e conhecimentos (produção de saberes, aprendizado, transmissão) é parte integrante da atividade profissional. Com o uso da hipermídia, dos sistemas de simulação e das redes cooperativas de aprendizado cada vez mais integrados aos postos de trabalho, a formação profissional das empresas tende a integrar-se à produção.


A antiga relação com a competência era substancial e territorial. Os indivíduos reconheciam-se por seus diplomas, estes últimos ligados a disciplinas. Os empregados de escritório eram identificados por postos, que declinavam ofícios, que preenchiam funções. No futuro, tratar-se-á muito mais de gerir processos, trajetos e cooperações. As competências variadas, adquiridas pelas pessoas de acordo com seus percursos particulares, irão alimentar memórias coletivas. Acessíveis em linha, essas memórias dinâmicas em suportes numéricos atenderão, por sua vez, a necessidades concretas, aqui e agora, de indivíduos e grupos em situação de trabalho ou aprendizado (é a mesma coisa). Assim, à virtualização das organizações empresas «em rede» corresponderá em breve uma virtualização da relação com o conhecimento.

O reconhecimento do adquirido

Evidentemente, é para esse novo universo do trabalho que a educação deve preparar. Simetricamente, no entanto, deve-se admitir também o caráter educativo ou formador de muitas atividades econômicas e sociais, o que levanta evidentemente o problema de seu reconhecimento ou validação oficial, sendo que o sistema de diplomas parece cada vez menos adequado. Por outro lado, o tempo necessário para a homologação de novos diplomas e para a constituição dos currículos que levam a eles não está mais em fase com o ritmo de evolução dos conhecimentos.


Pode parecer banal afirmar que todos os tipos de aprendizado e formação devem poder dar lugar a uma qualificação ou a uma validação socialmente reconhecida. Atualmente, entretanto, estamos muito longe disso. Um grande número de processos vigentes em curso por meio de dispositivos formais de formação contínua, para falarmos apenas das competências adquiridas durante as experiências sociais e profissionais dos indivíduos, não geram hoje nenhuma qualificação. A relação com o saber emergente, cujas grandes linhas eu esbocei, traz o questionamento da estreita associação entre duas funções dos sistemas educativos: o ensino e o reconhecimento dos saberes. Como os indivíduos aprendem cada vez mais fora das fileiras acadêmicas, cabe aos sistemas de educação implantarem procedimentos de reconhecimento dos saberes e know-how adquiridos na vida social e profissional. Para esse fim, serviços públicos que explorassem em grande escala as tecnologias da multimídia (testes automatizados, exames em simuladores) e da rede interativa (possibilidade de fazer testes ou fazer reconhecer suas aquisições com a ajuda de orientadores, monitores e examinadores em linha) poderiam aliviar os docentes e as instituições educacionais clássicas de uma tarefa de controle e validação menos «nobre» — mas ainda necessária — do que o acompanhamento dos aprendizados. Graças a esse grande serviço descentralizado e aberto de reconhecimento e validação dos saberes, todos os processos, todos os dispositivos de aprendizado, até os menos formais, poderiam ser sancionados por uma qualificação dos indivíduos.


A evolução do sistema de formação não pode ser dissociada da evolução do sistema de reconhecimento dos saberes que o acompanha e pilota. A título de exemplo, sabe-se que os exames é que estruturam, a jusante, os programas de ensino. Utilizar todas as tecnologias novas na educação e formação sem nada mudar nos mecanismos de validação dos aprendizados equivale, ao mesmo tempo, a aumentar os músculos da instituição escolar e a bloquear o desenvolvimento de seus sentidos e cérebro.
Uma desregulação controlada do atual sistema de reconhecimento dos saberes poderia favorecer o desenvolvimento das formações alternadas e de todas as formações que conferissem um lugar importante à experiência profissional. Ao autorizar a invenção de modos originais de validação, tal desregulação encorajaria também as pedagogias pela exploração coletiva e todas as formas de iniciativas a meia distância entre a experimentação social e a formação explícita.


Semelhante evolução não deixaria de gerar interessantes retroefeitos para certos modos de formação de tipo escolar, freqüentemente bloqueados em estilos de pedagogia pouco aptos para mobilizar a iniciativa, por orientar-se apenas pela sanção final do diploma. Numa perspectiva ainda mais ampla, a desregulação controlada do reconhecimento dos saberes aqui referida estimularia uma socialização das funções públicas da escola. Com efeito, ela permitiria que todas as forças disponíveis concorressem ao acompanhamento de trajetos de aprendizados personalizados, adaptados aos objetivos e às diversas necessidades dos indivíduos e das comunidades implicadas.


Os desempenhos industriais e comerciais das empresas, das regiões, das grandes zonas geopolíticas estão em estreita correlação com políticas de gestão do saber. Conhecimentos, know-how, competências são hoje a principal fonte da riqueza das empresas, das grandes metrópoles, das nações. Ora, vive-se hoje importantes dificuldades na gestão dessas competências, tanto no nível de pequenas comunidades como no das regiões. Do lado da demanda, observa-se uma inadequação crescente entre as competências disponíveis e a demanda econômica. Do lado da oferta, um grande número de competências não são nem reconhecidas, nem identificadas, mais especialmente entre os que não possuem um diploma. Esses fenômenos são particularmente sensíveis nas situações de reconversões industriais ou de atraso de desenvolvimento de regiões inteiras. Deve-se, paralelamente aos diplomas, imaginar modos de reconhecimento dos saberes que possam prestar-se para uma visualização em rede da oferta de competência e a uma pilotagem dinâmica retroativa da oferta pela demanda. Para tanto, a comunicação através do ciberespaço pode ser uma grande ajuda.


Uma vez aceito o princípio segundo o qual toda e qualquer aquisição de competência deve poder dar lugar a um explícito reconhecimento social, os problemas da gestão das competências, tanto na empresa como no nível das coletividades locais, estarão a caminho, se não de sua solução, ao menos de sua mitigação.

(1) Open and Distance Learning, Critical Success Factors. Accès à la formatoin à distance: clés pour un développement durable. Editors: Gordon Davies & David Tinsley. Atas, Conferência Internacional, Genebra, 10 a 12 de outubro de 1994, 203 páginas.
(2) Todos os especialistas das políticas de educação reconhecem o papel essencial da qualidade e da universalidade do ensino elementar para o nível geral de educação de uma população. Além disso, o ensino elementar abarca todas as crianças, enquanto o ensino do segundo grau e, sobretudo, o superior envolvem apenas parte dos jovens. Ora, o segundo grau e o superior públicos, que custam muito mais do que o ensino elementar, são financiados pela totalidade dos contribuintes. Existe aí uma fonte de desigualdade particularmente gritante nos países pobres

. Ver mais especialmente, de Sylvain Lourié, Ecole et tiers monde, [Escola e Terceiro Mundo], Ed. Flammarion, Paris, 1993.

CONVIVENDO COM AS NOVAS TECNOLOGIAS




A VIRTUOSIDADE DO VIRTUAL: CONVIVENDO COM AS NOVAS TECNOLOGIAS


O texto de Marta Alves de Souza, aborda algumas reflexões a cerca do real e do virtual, tece comentários sobre os relacionamentos humanos em ambiente de rede, a simbologia usada na Rede e a convivência nesse mundo virtual. Tenta colocar questões que dizem respeito ao próprio sentimento do homem com relação ao ciberespaço e seu relacionamento com essas novas tecnologias da informação que estão revolucionando a forma como as pessoas se comunicam e buscam informações. Levanta ainda alguns pontos com relação aos inseridos nesse sistema, ou seja, aosconectados e não conectados.

"Seres humanos, pessoas daqui e de toda parte,
vocês que são arrastados no grande movimento
da desterritorialização, vocês que são enxertados
no hipercorpo da humanidade e cuja pulsação
ecoa a gigantescas pulsações deste hipercorpo,
vocês que pensam reunidos e dispersos entre o
hipercórtex das nações, vocês que vivem
capturados, esquartejados, nesse imenso
acontecimento do mundo que não cessa de voltar
a si e de recriar-se, vocês que são jogados vivos
no virtual, vocês que são pegos nesse enorme
salto que nossa espécie efetua em direção à
nascente do fluxo do ser, sim, no núcleo mesmo
desse estranho turbilhão, vocês estão em sua
casa. Benvindos à nova morada do gênero
humano. Benvindos aos caminhos do virtual!"

(LÉVY, 1996, p.150)



O futuro é Aqui

A melhor maneira de conviver com o futuro é dominar as novas tecnologias da informação e comunicação que estão modificando o mundo, ou a forma como as pessoas manipulam e recuperam informações.
Um exemplo dessa tecnologia é a Internet, rede das redes, que salta fronteiras e recompõe forças políticas, sociais e culturais. Os reflexos dessa na sociedade pode ser comparados aos mesmos impactos que ocorreram entre a passagem da cultura oral para a cultura escrita. Apresenta-se como instrumento novo cultural capaz de trazer mudanças parecidas às da introdução da imprensa e surge como umanova ordem capaz de operar mudanças grandiosas na sociedade como um todo. É uma tecnologia acima de qualquer outra e junto com ela emergem outras tecnologias, outras formas de pensar inclusive as relações humanas e um leque enorme de possibilidades.
A cada ano o número de usuários da Internet dobra. Agregando cada vez mais pessoas dispostas a fazer uso da Rede para tudo o que é possível imaginar e até mesmo o que a vã filosofia ainda não permite crer. Atualmente o número de usuários está acima de 200 milhões em todo o mundo1, de acordo com Cisco Systems, sete novos usuáriosentram na Rede a cada segundo. A previsão é de que os usuários formem um contingente de 700 milhões de pessoas em 2001.
Diariamente são enviados mais de 7 bilhões de e-mails, mais do que a 1 Segundo dados apresentados na Revista Info Exame, ano 14, n.164, nov./1999. p.88 população mundial. Os sites da Web eram 26 mil em 1993, hoje são mais de 11 milhões; só entre 1997 e 1998 o aumento foi de 118%.
Estes dados são extremamente numéricos mas comprovam e provam um fato, a Rede cresce exponencialmente de forma a não deixar nenhuma dúvida a que veio e com ela a virtualização do real.
E para deixar tudo ainda mais virtual fala-se do projeto InterPlaNet, uma rede de comunicação interplanetária, segundo Vint Cerf, um dos criadores da Internet2, que afirma ser objetivo da Nasa projetar e construir uma rede baseada na Internet que sirva para interligar os planetas e satélites do sistema solar, de forma a suprir as necessidades de comunicação da exploração espacial nas próximas décadas. Com ela espaçonaves, estações orbitais, estações de pesquisa e, eventualmente os habitantes em outros planetas poderão estar conectados da mesma forma que a Internet está ligando hoje nosso mundo.
Vint Cerf ainda continua em sua entrevista falando das novidades que podemos esperar em relação a Internet para os próximos anos, tais como: acesso sem fio, o acesso em banda larga e a popularização de dispositivos prontos para navegar pela Internet, como celulares, pagers, automóveis e eletrodomésticos. Ele afirma que as conversas da telefonia, do rádio e da televisão com a Internet vão produzir uma enorme variedade de serviços.
Como pode ser percebido acima as possibilidades que essas tecnologias trazem é algo que beira o imaginável, o exemplo mais gritante aqui é a própria Rede com seu universo virtual, sem barreiras geográficas ou temporais e sem paredes, tudo rompido e até um pouco corrompido pelo poder que emana de cabos de fibras óticas, quedesnuda as pessoas e desmistifica as culturas. São os bits substituindo as utilizações analógicas é uma nova maneira de fazer as informações circularem e transitarem em tempo real.

Mais o que é o real?

Segundo Lévy:

"O real seria da ordem do "tenho", enquanto o virtual seria da ordem do "terás", ou da ilusão, o que permite geralmente o uso de uma ironia fácil para evocar as diversas formas de virtualização." (1996, p.15)

Para falar de real, tem-se também que falar do virtual, que aliás é o que permeia a transnação chamada Internet. Lévy ainda mostrando o real e o seu contraponto virtual, coloca:

"A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é o virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva do formal. A árvore está virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes." (1996, p.15)

Na verdade existe uma interação entre o real e o virtual, pois em meio a tanto real hoje convive-se pacificamente com o virtual, e alguns até mais neste último, afinal existem os viciados em surfar nas ondas da Internet, esquecendo-se de seu mundo real.Tudo vive entrelaçado, as pessoas e a tecnologia da informação

Virtual parece ter se tornado a palavra da moda e, ao mesmo tempo, um assunto muito controverso e polêmico, cuja compreensão tem provocado os mais diversos posicionamentos.
Por um lado a virtualização significa que o mundo mudou radicalmente e, por isso, ela não é apenas a palavra da moda, mas também uma palavra de ordem, uma exigência de que todos aceitem incondicionalmente as mudanças e a elas se adeqüem.
O objetivo da discussão aqui é o de tentar analisar o fenômeno da virtualização e as controvérsias que o mesmo vem suscitando, procurando salientar os aspectos realmente novos. Entende-se que as transformações atuais na maneira como as pessoas se comunicam
significam mudanças na continuidade, mas também mudanças com descontinuidade. A virtualização tem um conteúdo ideológico, mas também um conteúdo real de mudança. A questão fundamental consiste em precisar quais são as peculiaridades dessas mudanças.
A virtualização é um fenômeno, cujas aparências, em um primeiro momento, sugerem que o mundo, criado pelo homem, assumiu as dimensões e as propriedades naturais do globo terrestre. Um mundo sem paredes, ou melhor, um mundo globalizado, sem fronteiras, com
suas regras, suas políticas e seus organismos. A virtualização significa a completa integração e a mais ampla liberalização da exposição do pensamento humano, criando o que Lévy (1998) chama de inteligência coletiva, o mesmo autor afirma que:

"Até o momento, o que fizemos foi principalmente imaginar e construir mundos virtuais que eram meras simulações de universos físicos reais ou possíveis. Propomos agora conceber mundos virtuais de significações ou sensações partilhadas, a abertura de espaços em que poderão desenvolver-se a inteligência e a imaginação coletivas." (p.83)

Pensando em termos de inteligência coletiva, é possível imaginar que todos podem participar da vida política e decidir os rumos da humanidade como um todo, com muita agilidade e facilidade. Afinal, é possível adquirir uma infinidade de informação sobre qualquer candidato ou partido, trocar idéias e votar de casa. É o auge do principio da universalidade; nunca alguém pôde imaginar essa capacidade de participação política das pessoas, é como se a humanidade estivesse emancipada, talvez a humanidade esteja inclusive se emancipando de si mesma e o homem está vivendo em torno de dois mundos: o real e o virtual. Diante de tantas transformações, a virtualização fornece ingredientes para o sem limite baseado, modernamente, em redes de computadores interligadas, onde as pessoas interagem entre si, trocam informações e se divertem, contudo o olhar do mercado, um mercado de informações, nos situa como clientes em potencial, é a cibercultura.
A humanidade está penetrando no admirável mundo novo da virtualização, dos cyborgs, da clonagem,

"... onde ovelhas balem, dos transplantes, onde se roubam, literalmente, os corações, e do domínio da cibernética, onde reina, entre a ficção e a realidade, a maldição de Blade Runner." (Ribeiro, p.131, 1998)

As pessoas estão dentro de um mundo virtual, dividido em dois planos: o que estão conectados e os que não estão conectados, estes últimos excluídos da socied@dedigit@l, pois para fazer parte dessa é necessário a devida conexão, ou seja o indivíduo faz ou não faz parte do sistema, um sistema que tem características próprias, linguagem própria e em algumas momentos parece ter vida própria, isso naturalmente devido às suas peculiaridades, que são muitas.

Uma dessas peculiaridades é exatamente o vocabulário: surfar, navegar, acessar, aqui alguns exemplos de palavras que significam: conexão, estar on-line. Sem levar em conta e já levando, os símbolos usados para expressar sentimentos, tais como: abraços =[]s, alegria=:-) tristeza =:-(, isso só para citar alguns exemplos, a lista segue vasta.

Logo, para estar integralmente inserido no sistema é também necessário conhecer seu vocabulário, suas particulariedades, suas características, pois não basta só estar conectado, é preciso saber “surfar em suas ondas".

A "aldeia global", termo cunhado de Mcluhan, impõe a padronização de um estilo de vida, que vai do consumo, pesquisa e diversão. Mais de 200 milhões de pessoas "navegam" ou "surfam" de um canto a outro do planeta todos os dias na "Rede", assim conhecida a Internet, os sites proliferam, proliferam-se os conectados, afinal ninguém quer ficar de fora. Hoje a pergunta clássica não é: "Qual o seu telefone?", mas sim, "Qual é seu e-mail?".

Se este universo virtual tem vocabulário próprio também tem seu idioma oficial, o inglês é a língua encontrada, todos estão fadados aos seus encantos e também desencantos, se nesse universo digital desconhecer esse idioma, o indivíduo está parcialmente fora da Rede, ou seja, está limitado ao seu idioma que não é o inglês. Não se tem mais a era do simples intercâmbio comercial, isso evoluiu para o grande mercado único, pode-se comprar pela Rede, pode-se vender na Rede, tudo é permissível, inclusive a mais nova modalidade de fragmentação do ser humano: leilão de óvulos humanos (...)

(Leia na Integra)

Presença, abertura e verdade em Heidegger






Presença, abertura e verdade em Heidegger
Cristina G. M. Oliveira

A partir de Heidegger é possível nos colocarmos num outro plano que não seja o das causas e das circunstâncias que vivemos, o da reflexão filosófica que nos situa ao nível da interrogação. Para esse autor não se trata de analisar as causas da crise ou de determinar a significação, mas põe uma questão mais essencial que nos permite
superar as interrogações particulares em que projetamos nossa insegurança e os nossos medos. Para compreender esta questão devemos começar por relativizar aquilo a que estamos mais agarrados. Porque as idéias e as crenças em que nos refugiamos tendem a impor-se com uma força tal que as confundimos com a própria realidade das coisas. É, pois, imperativo reencontrarmos, para além das idéias e das palavras,
o que densifica as coisas e o que é igualmente o cerne da importância do homem, senão vivemos à superfície da realidade com medo de enfrentarmos a profundidade que ela oculta, perdemo-nos na tagarelice que nivela os seres e as coisas e paralisa toda a interrogação e todo o espanto. (...)

(Leia na Integra)

Nietzsche - conceito de vida







Nietzsche - conceito de vida


Cristina G. Machado de Oliveira


Partindo do princípio de que para Nietzsche a realidade tem um caráter móvel, dinâmico, incessantemente em mudança, modifica-se uma compreensão fixa e definitiva da realidade, podemos perceber que há uma estreita relação entre a realidade e a vida. Pode-se apreender muito bem isso no trecho nietzschiano a seguir:

“... Quanto ao atomismo materialista, está entre as coisas mais bem refutadas que existem. [...] Graças, antes de tudo, ao polonês Boscovich, que foi até agora, juntamente com o polonês Copérnico, o maior e mais vitorioso adversário da evidência. Pois enquanto Copérnico nos persuadiu a crer, contrariamente a todos os sentidos, que a terra não está parada, Boscovich nos ensinou a abjurar a crença na última parte da terra que permanecia firme, a crença na ‘substância’, na ‘matéria’, nesse resíduo e partícula da terra – [...] essa crença deve ser eliminada da ciência!”.[1]


Com isso, está claro que a realidade do mundo não é una, eterna, mas múltipla, e múltiplo é o ser do homem porque possui uma pluralidade de impulsos e instintos, cada um com sua perspectiva própria e em luta constante entre si.

O ser é devir porque sempre está se fazendo, sempre está por fazer. Este sentido do ser como devir tem a ver com a idéia de ser como “processo”; mas infinito, eterno, sem possibilidade de fim. Desse modo, a ontologia nietzschiana combate a ontologia “estática”. Os argumentos de Nietzsche são contrários aos da razão do platonismo. Contra o uno opõe Nietzsche o múltiplo, isto é, a pluralidade do ser em suas manifestações, que são as perspectivas (múltiplas) mediante as quais o homem aborda o mundo, assim, o homem é uma pluralidade de vontade de potência, cada uma com uma multiplicidade de configurações e meios de aparecimento.É nessa visão que ele introduz a noção da vontade de potência como um princípio metodológico da tarefa de reavaliação dos valores, isto é, a transvalorização dos valores e finalmente a multiplicidade dos mesmos.

Dessa maneira, devemos reconhecer que a história de uma coisa pode ser uma sucessiva cadeia de sinais de contínuas novas interpretações e adaptações. Descobrindo uma vontade de potência por trás da noção dos valores morais, e delineando a procedência e descendência dos valores, a finalidade de uma genealogia da moral é refutar as pretensões universais dos valores morais.[2] A genealogia é um significativo exercício de crítica, por ser capaz de expor que todos os valores e ideais são frutos da alteração e desenvolvimento históricos, desse modo, nada é fixo e imutável: tudo o que existe, inclusive as instituições legais, os costumes sociais e as normas morais, evolui e são produtos da vontade de potência. Nesse sentido, os valores para Nietzsche devem ser avaliados a partir de sua força de vida. Todos os valores são, portanto, sintomas que devem ser interpretados a partir da pluralidade de forças, pois a combinação de forças traz diferentes perspectivas aos acontecimentos, não havendo, assim, valores universais.

Segundo Nietzsche, a verdade e a falsidade não mais existem, o homem está destinado à multiplicidade, pois tudo é interpretação. Como toda interpretação é perspectivista, isto é, relativa a um certo nível de potência, o bem e o mal seriam relativos, válidos para as relações de poder estabelecidas, desse modo, os valores estariam para além da moral, pois seriam compostos pelas relações de poder estabelecidas entre os seres humanos.Dessa forma, suas afirmações devem ser tomadas como um ‘instrumento’ que serve para demarcar as possíveis interpretações de mundo, e não como uma verdade.

O ser como vontade de potência, criação de novos valores, afirma-se na sua própria criação, pois, ainda é possível a criação de novos valores porque se redescobriu a pluralidade dos sentidos do ser. Defini-se assim um devir criativo das forças, um triunfo da afirmação da vida, desta vida terrena múltipla e em constante movimento.

Nietzsche afirma que “... nosso corpo é apenas uma estrutura social de muitas almas (...) razão por que um filósofo deve se arrogar o direito de situar o querer em si no âmbito da moral – moral, entenda-se, como teoria das relações de dominação sob as quais se origina o fenômeno ‘vida’...”.[3] Desse modo, na visão nietszchiana, o nosso corpo é como um edifício de múltiplas almas; e referindo-se a almas mortais, posiciona-se contra o indivíduo; desqualifica a hipótese de um sujeito único e aponta seu caráter transitório; por fim, define o homem enquanto multiplicidade de ‘vontades de potência’[4], cada uma com uma multiplicidade de meios de expressão e de configuração.

Seguindo essa linha de pensamento, a modificação do princípio de avaliação e, por conseguinte, a vitória da vontade afirmativa de potência, da superabundância de vida, sobre os valores dominantes do niilismo nos traz o significado da transvalorização dos valores: que vai dos valores à avaliação e da avaliação à força de quem avalia. A questão do valor é, em última instância, o ponto das condições de intensificação ou conservação, de aumento ou diminuição da vida.

O problema da verdade ganha agora um sentido diverso, a falsidade ou a verdade não é a questão, mas se o juízo favorece ou não a vida, se conserva vida, se a torna maior. A vida é uma multiplicidade de significados e perspectivas que dependem de um jogo de forças. O que estará em jogo será a expansão da vida.

Sendo assim, um dos pontos principais da filosofia nietzschiana é considerar irrelevante saber se os juízos de valor sobre a vida são verdadeiros ou falsos. A questão é que, sendo a vida a base, o fundamento da invenção de valores – sendo a vida que avalia quando instituímos valores – ela não pode ser avaliada, seu valor não pode ser nomeado. Um juízo de valor está sujeito às condições de vida e varia com elas; uma exaltação ou uma condenação da vida deve ser unicamente considerada como sintoma; sintoma de uma espécie determinada de vida. Porém, ao rejeitar o binômio verdadeiro-falso como critério de avaliação, não se silencia de fato a pergunta sobre a avaliação.Ao contrário, com isso, somos levados a perguntar – como é possível que se avalie o ato de interpretar? Ou ainda, não seria a própria valorização da interpretação uma ameaça a qualquer noção de valor? Ou por outro lado, haveria algum ponto a partir do qual se possa realizar uma tal avaliação? E afinal, o que é avaliar?

De acordo com a fala de Zaratustra o avaliar é criar. O valor perde qualquer caráter definitivo ao qual já aspirou. Passa a ser produzido no ato mesmo da avaliação, sem conquistar nenhum lugar fora. Desse modo, pode-se dizer que o valor é função do ato de avaliar e que, em última instância, nem há valor, mas apenas avaliação. Já que o próprio avaliar constitui o grande valor.

Todavia, o problema do valor não fica assim resolvido. É preciso estabelecer critérios para a avaliação, para que então se possa operar uma diferenciação entre avaliações. Caso contrário todas elas se reduziriam a um nada vale. Para estabelecer tal critério, porém, recorremos a fala de Zaratustra onde se diz: “Avaliar é criar”. Tomemos então esta criação e existência como base para estabelecer nossos critérios, apreciando assim a avaliação através de sua potência criadora.Mas, também a partir de sua relação com o próprio valor da existência, o que nos leva a apreciar a avaliação pela ótica da vida.

Desse modo, o valor passa a ser vinculado a vida, mas de uma maneira especial: no tratamento de erigir critérios de avaliação orientados pela “conservação e intensificação” daquilo que vive e que, por ser vivente, se encontra no interior mesmo do devir. Significa dizer então que o valor de um pensamento ou de uma interpretação é estabelecido segundo sua relação com a vida: de conservação ou intensificação, mas sempre em uma perspectiva de movimento, de devir.

Mas, o que é vida? A essa questão, o próprio Nietzsche responde com “uma nova concepção de vida”, que ele assim enuncia: “vida é vontade de potência”.

Temos então a identidade entre vida e vontade de potência – uma fórmula que Nietzsche não hesita em chamar de “nova concepção”. Mas, apesar dessa perspectiva da vontade de potência como vida e, portanto, como algo que quer crescer, notamos ainda que a vida é meramente um caso especial da vontade de potência e que é bastante arbitrário afirmar que tudo se esforça a fim de se encaixar nesta forma de vontade de potência.

A concepção de vontade de potência é e permanece objeto das mais variadas interpretações filosóficas. Optei por traduzir a expressão wille zur macht por vontade de potência, mas sem atribuir ao termo “potência” conotação aristotélica e nem levar a palavra “poder” no sentido político. Podemos entender o termo wille (=vontade) enquanto disposição, tendência, impulso e o vocábulo macht (=potência), associado ao verbo machen, como fazer, produzir, formar, efetuar, criar.Enquanto força eficiente à vontade de potência é força plástica, criadora. É o impulso de toda força a efetivar-se e, com isso, criar novas configurações em relação com as demais.

Visto que o homem é uma multiplicidade de vontades de potência, cada uma com uma multiplicidade de formas de meios de expressão, e a vida, o mundo como vontade de potência, não é demasiado concluir que a vida é uma variedade de significados e perspectivas que dependem de um jogo de impulsos: tendências ativas que aumentam o impulso de vida (ascendentes) e tendências reativas que a diminuem (descendentes). Colocando a questão dos impulsos, considerando os valores morais como valores vitais, a genealogia se realiza tomando a vida como critério de avaliação; mas evidencia também a definição, mais especificamente nietzschiana, da vida como vontade de potência: a natureza da vida é a vontade de potência.

Se, por um lado, a vida almeja basicamente um máximo de potência; não propriamente uma conservação ou uma adaptação de potência, um acúmulo, uma ampliação, uma intensificação de potência, por outro lado, não só no impulso ativo, mas também no reativo, negativo, fraco, isto é, quando demonstra uma vontade de nada, quando é niilista. A afirmação final de A genealogia da moral é exatamente esta: “... o homem prefere querer o nada ao nada querer; a vontade de nada, a revolta contra as condições fundamentais da vida, ainda é vontade de potência.”[5], porque permite dar um sentido à vida, à própria vontade de potência.

Evidencia-se, assim, que a questão do valor é, em última instância, a questão das condições de intensificação ou conservação, de aumento ou diminuição da vida, desse modo, podemos perceber que Nietzsche sugere uma outra ontologia. Ele recupera o conceito pré-socrático heraclítiano de ser enquanto devir e pluralidade, trocando a idéia de ser enquanto ‘unidade substancial’ pelo conceito de ser enquanto variedade e contradição. Numa visão nietzschiana, o ser é devir porque está sempre se fazendo, sempre por fazer, resultando num processo eterno.

Como para Nietzsche os valores devem ser avaliados a partir de seu impulso de vida, portanto, todos os valores devem ser avaliados a partir da pluralidade de impulsos, pois a combinação de impulsos traz diferentes perspectivas aos acontecimentos. O estabelecimento dos valores da vida no homem e pelo homem é uma manifestação da vontade de potência. Donde podemos concluir que a vontade de potência é dinâmica e ativa.

Enfim, numa concepção nietzschiana, o nível de uma moral determina-se na medida em que ela avalia em função da vontade de potência, em que ela reconhece esta como princípio do estabelecimento de valores.

Retomando a idéia de que o homem é uma multiplicidade de vontades e que entre elas se desencadeia a luta, podemos concluir que são estabelecidas hierarquias jamais definitivas. Na verdade, impulso e vontade de potência poderiam ser equivalentes. Nada permite supor que os impulsos se distingam da vontade de potência. A vontade de potência diz respeito assim ao realizar-se do impulso, contudo, em momento algum, Nietzsche acredita haver um único impulso, o impulso criador de tudo o que existe. O impulso só existe no plural; não é em si, mas em relação com outros, é um agir sobre. Podemos dizer que tudo o que existe é constituído por impulsos agindo e resistindo uns em relação aos outros. E a cada momento os impulsos relacionam-se de modo diferente, a todo instante a vontade de potência faz surgir novas formas. O mundo, então, apresenta-se como pleno devir; a cada mudança segue-se outra, é um eterno vir-a-ser, porém, “... não encontramos em Nietzsche exaltação incondicional da vida. A vida não é a totalidade, ela não é o objeto da afirmação mais alta. Certamente a vontade de potência é pensada sobre o modelo da vida, como faculdade de se conservar e de se acrescer, de exercer o perspectivismo de suas forças.”[6]

A vontade de potência desdobra sua propriedade bem além do homem, pois a natureza inteira é vontade de potência. A natureza em seu conjunto é imparcial, não somente em relação ao Bem e ao Mal, mas em relação à vida e à morte. O caráter de ‘finalidade’, acrescenta Nietzsche, é acessório humano. Assim, a vida não é o objetivo supremo da natureza.

“... É verdadeiramente uma arte poder viver de forma ‘ativa’. Para Nietzsche, isto exige uma constante e delicada pesagem de todos os valores. Para viver de maneira ‘ativa e saudável’ é necessário vencer o niilismo. Uma vida ativa e saudável pressupõe o fim do ressentimento, da culpa e da má consciência. Para viver de forma ‘ativa’ é necessário estar aberto ao outro enquanto diferença; ao caráter diferencial da realidade. Para viver de maneira ativa é necessário ser capaz de afirmar as diferenças e a pluralidade que compõem a vida”.[7]

Assim, a partir da perspectiva nietzschiana, há sempre uma pluralidade de fenômenos. Cada ocorrência, cada fenômeno, cada palavra, cada pensamento tem um sentido múltiplo. Pluralidade e filosofia são, de fato, para Nietzsche, o mesmo. O sentido é dependente das forças (impulsos) que se apropriam das coisas. O mesmo objeto, o mesmo fenômeno, muda de sentido, dependendo do jogo de forças. Qualquer subordinação, qualquer dominação é imediatamente uma nova interpretação.

Nesse sentido, a exposição da genealogia dos valores morais se realiza tomando a vida como critério de avaliação; evidenciando também a vida como vontade de potência. E concebida como vontade de potência, a vida constitui o único critério de avaliação que se impõem por si mesma. É nessa visão que se coloca a pergunta pelo valor dos valores; é nesse sentido que podemos avaliar a origem dos valores, e em ultima instância, colocar a perspectiva dos valores nietzschianos além do bem e do mal.

Mas a tarefa de Nietzsche é solitária.Toda a civilização é produto de bases falsas, a cultura encontra-se em decadência, como resultado do afastamento da força da vida, tão escassa no universo.

Nietzsche se afastou ao enxergar a verdade cada vez mais longe. Contudo pagou sua dívida por esse afastamento ao criar seu herói solitário, Zaratustra, um questionador da cultura e civilização, bem como da moral e valores sobre o qual ela se apóia. Zaratustra desceu do alto da montanha, do fundo da caverna, como viu Platão os filósofos emergirem em busca do sol, em busca de vida. Não se dirige aos pobres, aos humildes, aos doentes, aos perdidos e aos fracos, muito menos lhes promete o Reino dos Céus. Seu público é outro. É o dos vencedores, dos afirmadores da vida, os que querem viver o aqui e agora, tendo a Terra como seu único reino. Desceu à planície para anular o cristianismo. A sua meta é atingir uma parte específica da humanidade, os homens superiores.Defende a emergência de uma nova ética, baseada nas virtudes do homem superior, impondo uma nova atitude perante a vida.

Através de Zaratustra, Nietzsche, vai até a raiz da existência, pois a origem da vivência é a dor. O ente é um por fazer, é a necessidade de ser ação, isto é esforço, conquista, realização, enfim, atividade de dor. Descer na dor é descer na raiz de vida, de existência, porque dor pode ser identificada com terra, finitude e limitação, enquanto que a superação é identificada com céu, ilimitado e além. A busca pelo ilimitado se torna desesperante, desde que tudo é indeterminado, pois na medida que faz se interpela.

O acontecimento gratuito da dor só se revela na peregrinação mais solitária, se mostrando na grandeza, onde cume e abismo são o mesmo, reunidos em um. Esse é o caminho pinacular da vida – descida e subida, esse é o auge da existência, pois o cimo do ser é ir ao mais profundo da existência, e é nesse sentido que cume e abismo estão reunidos num só. Desse modo, pode-se perceber que vida e existência são constitutivamente dor na medida que são ação.

Zaratustra percorre o caminho inverso ao de Platão (mito da caverna), uma vez que ele afunda na escuridão para encontrar a luz, pois só indo ao fundamento da vida que a encontraremos. Já tínhamos esse tipo de pensamento em Heráclito quando ele afirmou que o caminho para cima e para baixo é um e o mesmo.

Para Nietzsche, em semelhança ao pensamento heraclítiano, o abismo por ser o mais fundo é o mais elevado, é a vida nela mesma, é o lugar do homem. Nesse sentido, é na junção entre cume e abismo que se dá a vida num constante fazer e esforço, pois ao tentar ir a profundidade da existência, com empenho, encontramos, na verdade, o fundamento da vida, isto é, o pináculo, donde podemos afirmar que cume e abismo são um e o mesmo, pois no abismo (na profundidade) encontramos o cume (fundamento) da vida. E é nesse eterno devir que se instala a vida em sua plenitude.



BIBLIOGRAFIA
Bibliografia principal:

NIETZSCHE, F. Genealogia da moral. Uma Polêmica. Trad., Notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
_____ Para além do bem e do mal. Prelúdio a uma filosofia do futuro. Trad., Notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
_____.Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Trad.: Mário da Silva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
Bibliografia secundária:

ANSELL-PEARSON, Keith. Nietzsche como pensador político: uma introdução. Trad., Mauro Gama, Cláudia Martinelli.Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

ARALDI, C.L., “Para uma caracterização do niilismo na obra tardia de Nietzsche”. In: Cadernos Nietzsche 5. São Paulo: GEN, 1998.

BALEN, Regina Maria Lopes van. Sujeito e identidade em Nietzsche. Rio de Janeiro:UAPÊ, 1999.

BERKOWITZ, Peter. Nietzsche: the ethics of an immoralist. London: Cambridge, 1995.

DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Tradução de Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias. Rio de Janeiro: Rio, 1976.

FINK, Eugen. A filosofia de Nietzsche. Lisboa: Presença, 1988.

HAAR, Michael. “Vida e totalidade natural”. In: Cadernos Nietzsche 5. São Paulo:GEN, 1998.

__________. “Nietzsche and Metaphysics” translated and edited by Michael

Gendre. Suny, 1996.

KOSSOUVITCH, Leon. Signos e poderes em Nietzsche. São Paulo: Ática, 1979.

MACHADO, Cristina G. Nietzsche – uma perspectiva além da moral. Rio de Janeiro: UERJ, 2000. (Monografia – Especialização em Filosofia Contemporânea)

MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade Rio de Janeiro: Rocco, 1985.

_________. Zaratustra. Tragédia nietszchiana. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

MARQUES, António. Sujeito e perspectivismo. Lisboa: Dom Quixote, 1989.

MARTON, Scarlett. Nietzsche. A transvaloração dos valores. Rio de Janeiro:Moderna, 1998.(Coleção logos)

_________. Nietzsche. Das forças cósmicas aos valores humanos. São Paulo: Brasiliense, __

MORAES, Jorge. Da interpretação: para uma compreensão da produção de sentidos na filosofia de Friedrich Nietzsche. Rio de Janeiro: _____, 1999. (www.geocities.com/jorgedemoraes/interpret.htm)

MÜLLER-LAUTER, Wolfgang. A doutrina da vontade de poder em Nietzsche. Apresentação: Scarlett Marton, Tradução: Oswaldo Giacoia Júnior. São Paulo: Annablume, 1997.

NIETZSCHE, F. Obras incompletas. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os pensadores)

PORTOCARRERO, Vera “Nietzsche: uma crítica radical” In: Antônio Rezende.

Curso de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

[1] NIETZSCHE, F. Para além do bem e do mal. Prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, §12, p. 19.

[2] Esse pensamento é desenvolvido pelo autor ANSELL-PEARSON, em sua obra: Nietzsche como pensador político: uma introdução

[3] NIETZSCHE, F. Para além do bem e do mal. Prelúdio a uma filosofia do futuro. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998 p.25 §19.

[4] Esse conceito é desenvolvido pela filósofa MARTON, S., em sua obra: Nietzsche. Das forças cósmicas aos valores humanos.

[5] NIETZSCHE, F. Genealogia da moral. Uma Polêmica. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.149, terceira dissertação, § 28

[6] Haar, Michael. “Vida e totalidade natural” In: cadernos Nietzsche 5, São Paulo: GEN, 1998. p. 16

[7] BALEN, Regina Maria L. van. Sujeito e Identidade em Nietzsche. Rio de Janeiro: UAPÊ, 1999, p.82

23 de setembro de 2007

Amor plâtonico




Amor platônico

Quem nunca viveu uma paixão que fica apenas no mundo das idéias?
Por Daniela Pessoa

Tudo começa com a atração. Ela chega devagar, mas, de repente, quando a gente menos espera, explode um turbilhão de emoções: basta o desconhecido maravilhoso do ponto de ônibus chegar ou o deus grego do escritório (aquele com quem nunca tivemos a chance de ultrapassar as barreiras do "bom dia", "até logo") esboçar um breve aceno. Achá-lo lindo, vá lá, mas imaginá-lo como o futuro pai dos nossos filhos pode parecer um pouco exagerado. No entanto, no amor platônico, cultivado secretamente nas fantasias e na imaginação, nada é exagero. A gente fica igual a Bela Adormecida - esperando o beijo do príncipe encantado na angústia de saber se o grande dia vai, ou não, chegar.

Acalentar os sonhos com uma determinada pessoa da qual gostaríamos de nos aproximar e por quem gostaríamos de sermos amadas é uma experiência comum na vida de qualquer pessoa Bela Adormecida, príncipe encantado... E onde fica Platão nessa história? Está na expressão - amor "platônico" -, mas até aí, nada. Bom, na verdade foi ele, Platão, filósofo grego que viveu por volta de 425 a.C., quem deu origem ao termo. "

O amor é, de fato, um tema central da filosofia platônica. Ele perpassa toda a obra do filósofo, mas existem dois diálogos que tratam especificamente desse sentimento: Banquete e Fedro", explica o pesquisador de filosofia Antiga Remo Mannarino Filho. Segundo ele, em ambos os textos existem elementos que podem ter sido a origem do que hoje entendemos como amor platônico, um amor distanciado, impossível ou mesmo casto - sexo, só nas fantasias! "Mas é preciso ter em mente que o termo é usado, hoje, de forma um tanto distorcida ou no mínimo muito simplificada", avisa.


Amor a la grega

Só para se ter uma idéia de como a coisa é mesmo mais complexa, os gregos têm mais de um termo para definir o amor! No caso do platônico, estamos lidando com o eros. "É o desejo ou amor corriqueiro que sentimos por uma pessoa, mas que, segundo Platão, deve ser o ponto de partida para um caminho ascendente de contemplação intelectual ou espiritual", explica Remo. Ele diz que é como ir subindo vários degraus: "A função do desejo e do amor na alma humana é impulsionar em direção ao alto, em direção à contemplação da beleza em si mesma, eterna e incorruptível".

No fim das contas, o que Platão afirma é que o amor é, sim, uma loucura e um arrebatamento, mas não deve servir apenas à satisfação dos desejos inferiores da alma. "Ele pode e deve envolver jogos eróticos - carícias, beijos, toques - mas tudo isso no campo das idéias, sem chegar à consumação sexual", esclarece o pesquisador.

Já sentiu algo parecido? Pois é, Juliana Matias*, produtora, já. "Acho que sou a rainha dos amores platônicos", brinca Juliana, que há mais de dez anos curte um amor assim. "Tudo começou num show. Me apaixonei pelo cara da banda, a gente virou amigo, ele casou, tem filha, mas sempre me contentei em olhar só de longe", conta Juliana, que comemora: "Fui até devidamente apresentada à família dele como a fã número um da banda". Ela conta que em todo show está lá na frente, babando. "É o máximo! Ele toca a minha música predileta, fico feliz e vou para casa cantarolando. Para mim, isso basta", garante Juliana. E ela vai além. "Já tive mil fantasias sexuais com ele, mas gosto mesmo é de ficar só olhando, suspirando, sei lá... Se encostar, perde o encanto", ri a produtora, que já chegou até a viajar direto com a banda só para poder tirar uma casquinha do rapaz - de longe, é claro. "Dormíamos no mesmo quarto e nunca rolou nada! Ele até já disse que nunca trairia a mulher, mas que comigo abriria uma exceção. Recuei, é claro. Você deve estar me achando louca, né?", diverte-se Juliana.



Na linha do tempo

De fato, o amor platônico sempre acompanhou o ser humano através da História. No século XII, era evocado pelos trovadores, que cantavam o chamado "amor cortês" através das cantigas de amor e das cantigas de amigo. "O amor cortês reservava à dama escolhida por um trovador como alvo de suas homenagens um lugar de destaque na sociedade por ser amada como nunca fora antes, cantada em prosa e verso. Ao trovador, o amor oferecia um enobrecimento da alma", explica a psicóloga e psicanalista Malvine Zalcberg, autora de Amor, Paixão Feminina (Editora Campus-Elsevier).

Pois é, segundo Malvine, às vezes nós mesmas escolhemos cultivar esse tipo de amor, assim como os trovadores e como a produtora Juliana Matias, porque ele nos faz sentir bem. O amor platônico, segundo a psicóloga, faz parte de uma evolução de cada um no seu caminho para o exercício da sexualidade e do relacionamento com outras pessoas. "Nesse sentido, não deixa de ser benéfico, pois algo do processo de transformação e de novas reflexões sobre os relacionamentos humanos passa por esse tipo de enamoramento", diz Malvine. Ela afirma, ainda, que é altamente sedutor amar alguém em segredo, porque podemos idealizar e imaginar a relação com o outro da forma como queremos e desejamos. Por isso, "acalentar os sonhos com uma determinada pessoa da qual gostaríamos de nos aproximar e por quem gostaríamos de sermos amadas é uma experiência comum na vida de qualquer pessoa".

O amor platônico é mais comum ainda na adolescência, quando estamos passando por uma fase de amadurecimento emocional e conhecemos, eventualmente, o amor por ídolos da TV, do cinema, da música... Sem contar pelos professores! "Já fui louca pelo meu professor de Biologia quando estava na oitava série. Hoje, morro de rir com isso e até conto a história para as minhas filhas, que, por sua vez, são loucas pelo vocalista do JotaQuest. Mas, na época, eu levava muito a sério! Fazia aulas de reforço só para encontrá-lo mais vezes durante a semana, fingia que tinha várias dúvidas, mesmo sendo muito boa na matéria", lembra Magda Salvador*, médica. "Talvez por ele eu tenha dec dido seguir carreira na área médica. Sabe-se lá como funciona essa coisa de suconsciente!", brinca Magda.



Quando amor vira angústia

Tudo muito bonito e até engraçado, mas nem sempre é assim. Quando levado ao extremo, o amor platônico pode gerar muita angústia. Os escritores e poetas românticos dos séculos XVIII e XIX, como o inglês Lord Byron e o brasileiro Álvares de Azevedo, colocaram no papel o sofrimento por amores não correspondidos ou que quase sempre terminavam em tragédia. O pesquisador Remo Mannarino comenta a semelhança do amor platônico com o chamado amor romântico: "Os românticos podem ter buscado certa inspiração no amor platônico na medida em que davam ao sentimento um sentido místico e contemplativo".

O poeta inglês William Blake já chegou, inclusive, a escrever que "o mundo da imaginação é o mundo da Eternidade (...). Todas as coisas, em suas Formas Eternas, estão dentro do corpo divino do Salvador, a verdadeira voz da Eternidade, a Imaginação Humana". Uma nítida semelhança com o modo como Platão defendia a existência dos atos de amor - só nas idéias, na imaginação. E assim, só na fantasia, Marcela Cavalcanti, assessora de imprensa, foi levando sua paixão pelo novo vizinho. "Minhas pernas ficavam bambas quando eu o via, parecia coisa de adolescente", conta ela, que afirma ter sido sempre muito tímida quando o assunto é relacionamento amoroso. "No máximo, a gente trocava um ‘oi' no sobe e desce do elevador ou nas proximidades do prédio", revela. "Mas aí, no dia em que o encontrei por acaso na praia, juro, achei que fosse ter um treco, ainda mais quando descobri que ele sempre estava por lá", lembra a assessora.

Marcela passou então a freqüentar o mesmo lugar no mesmo horário, torcendo, é claro, para que o encontro acontecesse desde o elevador. O objetivo era ir se aproximando cada vez mais, até que ele puxasse papo. Foi quando vieram as férias do meio do ano e o bonitão viajou. "Fiquei desesperada quando soube pelo porteiro que ele tinha viajado com um grupo de amigos. Comecei a sentir um ciúme absurdo, não suportava a idéia de ver - ou melhor, pensar - nele com alguma mulher a não ser eu. Sentia como se ele já fosse meu namorado, entende?", angustia-se Marcela, que tomou a decisão de que, assim que ele voltasse, iria passar a demonstrar mais interesse e, quem sabe, até tomar alguma espécie de iniciativa. Mas, quando o rapaz voltou, já era tarde demais. "Chegou com namorada, acredita? Parece que pressenti! Nossa, meu chão caiu, fiquei séculos sem sair com outros homens e me pegava sempre procurando neles algo que lembrasse o meu vizinho. Aos poucos, fui me recuperando, mas com muito colo das amigas!", diz Marcela.

Se, por um lado, o amor platônico pode satisfazer às necessidades de quem ama, por outro, não satisfaz. "Depende da forma como cada um lida com o sentimento", explica a psicóloga Malvine Zalcberg. "Principalmente hoje em dia, quando os amores se desfazem tão facilmente em prol de relações flexíveis, temporárias", alerta a psicóloga. Ela conta que o filme Denise está chamando, de Hal Salwen (1995), explora muito bem - e com uma pitada de humor - o isolamento humano ao mostrar como um grupo de amigos só se comunica por meio de aparatos eletrônicos, sem nunca se encontrarem na realidade. "Como esses amigos nunca têm tempo nem disponibilidade de se encontrarem, se servem da tecnologia para compartilhar segredos, explorar o amor e a perda e até mesmo tecem suas fantasias por meio de fax, pagers e e-mails. Mais platônico, impossível, e menos propiciador de verdadeiros encontros", descreve Malvine.


Do platônico ao real

De acordo com a psicóloga Malvine Zalcberg, ficar sozinho e amar a distância é, para os homens, uma forma de proteção de sentimentos como inadequação, rejeição e medo de parecerem ridículos. Já as mulheres têm um grande receio de não serem amadas e temem a possibilidade de terem que se confrontar com isso. "Já reparou que, mesmo quando os homens lhes dizem que são amadas, ainda assim elas precisam se certificar disso e perguntam muito aos homens - aliás, quase que incessantemente - se eles realmente as amam, o quanto amam, etc?". Pois é, é a natureza feminina, mas o que todas nós - e eles também - precisamos entender é que no amor não há garantias. "A questão, então, é não se deixar fixar em alguém ou em uma única forma de amar", aconselha Malvine.

É preciso, segundo a psicóloga, abraçar outras maneiras de se relacionar que não exclusivamente na fantasia, na idealização do momento ou do homem "perfeitos". Porque o perfeito não existe, é bom - e engrandecedor - aceitar as falhas. Afinal, o amor eternamente platônico leva à solidão. "Brincar com a imaginação, idealizar, fantasiar, tudo isso pode ser muito divertido. O segredo, em si, é excitante, mas deve ser algo da ordem do ‘de vez em quando', porque se prender a amores platônicos é fugir da realidade, é perder a chance de ter relacionamentos mais gratificantes", finaliza Malvine.


*O nome foi alterado a pedido dos entrevistados.

Daniela Pessoa

Fonte: http://www.bolsademulher.com/amor/materia/amor_platonico/10886/1

Sexo só por sexo?






Sexo só por sexo?

Não! Prepare-se para conhecer o verdadeiro prazer...
Por Daniela Pessoa


Sexo? A correria nossa de cada dia às vezes nem deixa tempo para pensarmos no assunto como deveríamos. É chegar em casa, fazer amor em cinco minutos, virar para o lado e dormir. Definitivamente, não sobra muito tempo e, talvez, nem paciência para pensar em sexo. A gente simplesmente faz e pronto. Aí a coisa começa a ficar mecânica e, pior, monótona, normal. Mas para as chamadas escolas orientais de sexo - filosofias como a árabe, chinesa e indiana - sexo é também harmonia e bem-estar. Assim pregam os "manuais sexuais" do Oriente. Bem além do que ensinar técnicas, eles mostram a arte de fazer amor e conduzem a uma relação mais profunda e intensa com o parceiro. Sexo só por sexo? Esqueça! Prepare-se para conhecer o verdadeiro prazer...

O legado

Além de palácios ricos em esculturas eróticas, os orientais deixaram textos como o Kama Sutra , o Ananga Ranga, o Tao e O Jardim Perfumado - grandes manuais sexuais. "Mas a filosofia Oriental vai além do sexo, buscando a essência do casal e do indivíduo. Homem e mulher passam a trilhar um mesmo caminho de enriquecimento - do corpo e da alma - numa experiência física e espiritual magnífica", explica a pompoarista e shiatsu terapeuta Regina Racco, autora do livro "Poder sexual e qualidade de vida" (editado pela Pompoarte.com.br).

O sexo é apenas a primeira manifestação da energia, o primeiro degrau da escada e, se você quer crescer, evoluir, se transformar, você não pode negar a base ou lutar contra ela Portanto, apenas a técnica não vale. Esse é um dos primeiros mandamentos das filosofias orientais. "Apesar de nós, ocidentais, termos crescido muito em termos de proteção durante o sexo, como a conscientização da necessidade do uso da camisinha, regredimos bastante no ato de fazer amor", alerta a professora especialista em artes eróticas orientais, Celine Imaguire, autora do livro Pompoarismo, o caminho do prazer (Editora Éden). Segundo ela, homens e mulheres deixaram de explorar os cinco sentidos, as sensações. "Fazemos tudo com pressa", critica Celine. "O tempo médio do brasileiro é de cinco a 10 minutos de penetração - e geralmente só o homem chega ao orgasmo", afirma.

Ela conta que entre 40% e 50% de suas alunas não sentem prazer e que, entre as que sentem, 80% a 90% tem somente orgasmo clitoriano. "Isso acontece porque elas não conhecem os caminhos do corpo. As mulheres do Oriente são mais orgásticas justamente porque experimentam as filosofias orientais do sexo, aplicando-as para prolongar o prazer", explica Celine. A professora ressalta: "São filosofias - e não religião. É bom desmistificar, porque não são a mesma coisa". De acordo com ela, toda mulher merece e pode ter esse tipo de conhecimento, porque sexo, afinal, é prazer, saúde e vida. Preparada?


As filosofias do êxtase

Kama Sutra: De origem hindu, kama é uma divindade masculina e sutra significa, no antigo sânscrito, conjunto de ensinamentos. O Kama Sutra é então, literalmente, um manual indiano do sexo, com 64 posições sexuais descritas através de textos e imagens. Celine Imaguire conta que o livro é resultado de uma compilação feita pelo nobre Vatsyayana, no século IV, que misturou várias técnicas sexuais dos manuais orientais, centralizando-as num só guia - o Kama Sutra - que Celine gosta de chamar de "manual da etiqueta sexual".

A especialista em artes eróticas orientais explica que, à primeira vista, parece ser impossível praticar as posições ensinadas no livro, pois parecem verdadeiras acrobacias. Mas, segundo ela, o texto diz mais do que a imagem. "Naquela época, não havia a noção de perspectiva no desenho e, por isso, as ilustrações parecem confusas, porque muitas vezes não correspondem ao que o próprio texto diz", explica Celina, cuja dica é ir desmembrando as informações do texto, e não das imagens.

Uma das técnicas mais "quentes" e milenares dos manuais orientais, que pode ser aplicada em todas as posições do Kama Sutra, é a da ginástica íntima - pompoarismo, recomendada para todas as idades. Aprende-se a contrair os músculos intravaginais (no caso dos homens, os músculos penianos), ganhando o controle total da força muscular na região. Com isso, a mulher fortalece o canal vaginal e auxilia no seu próprio prazer e no do parceiro durante a relação sexual. "O canal vaginal é muito sensível a estímulos. Se a resposta está fraca, tem muito a ver com a mulher estar deixando essa região de lado, em inércia provocada pelo esquecimento", explica a pompoarista Regina Racco. "Com o treinamento dos músculos, eles começam a se fortalecer. Aí, pode multiplicar por mil a capacidade erógena e de percepção dos estímulos sexuais", completa.

Além da geografia do corpo, o Kama Sutra também dá ênfase ao amor e à liberação dos cinco sentidos - audição, paladar, olfato, tato e visão - além da mente. Portanto, o livro funciona como um guia para aprimorar a sensualidade e o erotismo do casal e do ambiente. Óleos, brinquedos, perfumes, música e demais estímulos sexuais e sensuais estão liberadíssimos para ajudar os pombinhos a chegarem ao clímax de forma nada rotineira.

Na mesma linha do Kama Sutra, o Ananga Ranga, manual indiano escrito por Kalyana Malla por volta de 1172 d.C., descreve as zonas erógenas tanto dos homens quanto das mulheres e traz uma compilação de posições sexuais, muitas das quais já ensinadas no Kama Sutra. A diferença é que o Ananga Ranga foi escrito especificamente para casais, visando evitar o "divórcio" do marido e da mulher.

Segundo o autor da obra, a maior razão para a separação de um casal e causa que leva ambos aos braços de amantes é a monotonia que surge nas relações sexuais. É justamente isso que o Ananga Ranga procura evitar a todo custo, prometendo aquecer os parceiros na cama.

Sexo tântrico: Originado na Índia há cinco mil anos, o Tantra, que significa "o que conduz ao conhecimento", é, segundo a especialista em artes eróticas orientais Celine Imaguire, um estudo do êxtase e de como atingir o melhor orgasmo. "Uma das funções do sexo tântrico é adiar ao máximo o orgasmo e, no caso do homem, a ejaculação", explica a pompoarista Regina Racco. Mas você não sai perdendo! Tudo é em nome do prazer prolongado. Segurando o orgasmo, toda a energia retida, quando liberada, será como uma explosão orgástica de proporções nucleares! Ui!

No entanto, Tantra não é só isso - intensificar e prolongar orgasmos por horas e horas. É, também, a arte de se conhecer com a ajuda do parceiro. "É um caminho de autoconhecimento que leva ao crescimento do indivíduo e do casal", garante Regina. De acordo com Prem Abodha, discípulo de Osho (líder espiritual indiano) e coordenador do Centro de Meditação de Osho no Rio de Janeiro, o Tantra é mais uma ciência do interior do que uma filosofia. Ele explica que a compreensão tântrica exclui a dualidade, isto é, não há dicotomia bem x mal, matéria x espírito, profano x sagrado etc . "Para o Tantra, tudo é sagrado e faz parte de uma unidade.

A matéria é a manifestação mais densa do espírito, mas não existe em oposição a ele. O sexo é apenas a primeira manifestação da energia, o primeiro degrau da escada e, se você quer crescer, evoluir, se transformar, você não pode negar a base ou lutar contra ela", esclarece Prem Abodah.Em tese, o sexo tântrico deve durar pelo menos duas horas e é dividido em sete etapas: preparação do ambiente para promover a circulação de energia, com incensos, flores, frutas e música; exploração dos sentidos, com vendas nos olhos, aromas, licores e toques; estímulo da energia sexual (kundalini), buscando a transcendência espiritual; distribuição da energia pelo corpo inteiro através de toques e, por último, controle do orgasmo - para prolongar o ato sexual, muitas carícias, beijos, sexo oral, pompoarismo e até mesmo danças.

O Tantra sexual envolve, ainda, meditação e técnicas respiratórias. Tudo num ritmo muito zen, mas que promete levar às alturas! "Não deve haver nenhuma meta, nenhuma pressa. O sexo não deve ser tomado como um meio, mas como um fim em si mesmo. Normalmente é um ato apressado, você está usando o outro; o outro está usando você - um explorando o outro e não um se dissolvendo no outro", ressalta Prem Abodha, discípulo de Osho.

De acordo com ele, a profundidade da sua experiência sexual decidirá a profundidade de todas as suas experiências. "Se a pessoa não puder penetrar profundamente na experiência sexual - com total consciência, sem julgamento e sem medo - ela não poderá penetrar mais fundo em qualquer outra coisa, porque o sexo é a experiência mais fundamental", explica o Prem Abodha.

O Jardim das Delícias: Publicado no Brasil como O Jardim Perfumado, este é um dos clássicos eróticos do mundo árabe. Escrito no século XVI pelo xeque Umar ibn Muhammad al-Nefzawi, o livro conta a história de um homem que ficou com o pênis ereto durante 30 dias sem parar - haja disposição! A obra destaca os métodos para excitar as mulheres, para retardar a penetração e mostra formas de o homem controlar a ejaculação para a mulher chegar ao orgasmo junto com o parceiro, além de ensinar posições para lá de excitantes! Ainda tem mais: o livro fala sobre traição, impotência e sabe aquela história de pênis ou vagina grandes, incompatíveis com pênis ou vagina pequenos? Já era! A obra ensina como casais com características físicas diferentes podem, sim, fazer amor com o máximo de prazer.

Vítima confessa - e por pura e espontânea vontade - do poder feminino, o xeque Nefzawi escreve, em O Jardim Perfumado do Xeque Nefzaui (Editora Record), que se a mulher não for excitada com carícias preliminares, beijos, pequenas mordidas e toques, os homens não obterão delas o que desejam e não sentirão prazer, nem despertarão nelas afeto ou amor. Acertou em cheio, não é mesmo? Então dá uma olha nas outras dicas.

Beija, beija muito! Cafeína está para sono assim como beijo está para sexo: boca na boca ou onde você quiser é o mais forte estimulante na hora H. O beijo deve fazer parte do sexo. Quer a técnica? Segundo o xeque descreve no livro, lábios úmidos e sucção da língua - não há nada melhor! E a iniciativa deve ser dos homens. Primeiro, mordiscando suave e ligeiramente a língua da amada. Depois, indo com mais sede ao pote, a la Verônica Volúpia. E não tenha vergonha dos "estalos". Para o xeque Nefzaui, beijo tem que ser sonoro. Outro supra-sumo do sexo, de acordo com ele, é dar apelidos incomuns e criativos às partes íntimas dos homens e das mulheres - além de excitante, é divertido e aumenta a intimidade do casal.

Tao do sexo: Base da filosofia chinesa, o Tao orienta os casais da mesma forma que a filosofia hindu - sexo não deve ser uma atividade rápida e feita de qualquer jeito. Pelo contrário! Deve-se dedicar a ele tempo para melhor conhecê-lo, aprimorando a performance e atingindo o auge da satisfação. Mas sexo não é somente satisfação - segundo a filosofia Tao, é saúde física e mental, é beleza e longevidade.

Para o Tao, a harmonia entre o yin e o yang também existe no ato sexual, de forma que essa filosofia convida os amantes a desfrutarem um do outro na maior calma, sem pressa. São várias as posições e práticas sexuais a fim de estimular o fluxo de energia vital entre o homem e a mulher. O objetivo é cultivar ao máximo o prazer, tanto na qualidade quanto na quantidade. Não bastam, portanto, carícias sem a exploração dos sentidos: tato, audição, visão... Saboreie e se deixe saborear de todas as formas! O sexo será bem feito se ambos se sentirem plenamente realizados e satisfeitos após o ato sexual.

Invista, também, na preparação do ambiente: música, lençóis, lingerie, iluminação, velas, aromas, massagens, óleos - tudo deve ser arranjado para proporcionar um clima de relaxamento e de pura sedução. Se quiser incrementar ainda mais - aqui, excesso não é pecado! - espalhe pelo quarto recipientes com comidas afrodisíacas que auxiliem o despertar do apetite sexual. Preparado o ninho de amor, aí é só dar aquela longa e deliciosa brincada e, em seguida, atacar! Os chineses também sugerem que os casais levem para a cama literatura erótica, porque são superestimulantes. Os pombinhos devem folhear as páginas juntinhos, atentando para cada detalhe e ilustração. Mantenham a respiração pelo nariz, lenta e suavemente, relaxando e esquecendo do mundo ao redor - agora, é só você e ele!

Pronto, dadas as dicas, é só eleger, junto com o parceiro, o "manual do casal", e escolher com o bonitão as melhores técnicas que satisfaçam os dois. Depois, preparem-se para viver o sexo intensamente. Com calma, aos poucos, tentem novas técnicas, experimentem e agucem os sentidos na busca pelo prazer. Afinal, não há nada que não possa fica ainda melhor!


Daniela Pessoa
fonte: http://www.bolsademulher.com/amor/materia/escolas_de_sexo/10451/1/